Com uma nova Constituição, o que se espera no Chade?
31 de dezembro de 2023A nova Constituição do Chade, um país com mais de 200 grupos étnicos, entrou em vigor depois de ter sido aprovada pelo Supremo Tribunal do país, abrindo caminho para a instauração de um regime civil.
O tribunal confirmou na quinta-feira (28.12) os resultados do referendo de 17 de dezembro, que viu a nova Constituição ser aprovada com 85,9% de votos. A participação eleitoral foi de 62,86%, com cerca de 8 milhões de pessoas elegíveis para votar.
Petições de opositores que pretendiam anular o referendo foram rejeitadas pelo tribunal.
Fidel Amakye Owusu, especialista em relações internacionais do Consórcio de Pesquisa de Conflitos para África, disse à DW que o último movimento do Chade em direção a um regime civil parece diferenciá-lo dos seus vizinhos politicamente instáveis na região do Sahel. Mali, Burkina Faso e Níger estão todos sob regimes militares.
"Os líderes [chadianos] querem que o mundo veja o Chade um pouco diferente ou que tenha uma situação que seja mais única do que está a acontecer no Sahel", comentou.
O presidente de transição do Chade, general Mahamat Idriss Deby, tomou o poder em 2021 depois de o seu pai e governante de longa data, Idriss Deby, ter sido morto enquanto lutava contra os insurgentes. Deby assinou a nova Constituição em vigor na sexta-feira (29.12).
A favor do federalismo
A nova Constituição do Chade manterá um estado governado centralmente, apesar de alguns opositores desejarem um estado federal para ajudar a acelerar o desenvolvimento.
Na verdade, o referendo nem sequer deu espaço para que as pessoas decidissem sobre essa questão, uma vez que o tema não constava do boletim de voto. O Chade tem um governo centralizado desde que conquistou a independência de França em 1960.
Os defensores do "não" a favor do referendo eram a favor de uma transição para um estado federal, argumentando que um governo central não conseguiu desenvolver o Chade, uma das nações mais pobres do mundo. Um inquérito publicado no início de 2023 pela Rede de Jornalistas e Repórteres Chadianos mostrou que mais de dois em cada três chadianos, ou 71%, eram a favor da mudança para um sistema federal.
O analista e professor chadiano Gilbert Maoundonodji, da Universidade de N'Djamena, disse que as preocupações sobre o fracasso do Estado governado centralmente eram legítimas.
"Depois de 60 anos de Estado unitário, as fraquezas são óbvias. O Estado unitário não contribuiu para alcançar a unidade nacional, para criar as condições para o desenvolvimento sustentável e a prosperidade da unidade do país", disse Maoundonodji à DW.
"E quando vemos as crises, os diferentes conflitos que o país viveu, os receios são fundados”.
Autoridade central deverá manter o poder
Os defensores da nova Constituição criaram, em vez disso, governos e representantes a nível local, com o objetivo de permitir que os cidadãos votassem nos seus representantes nas eleições do próximo ano.
Mas Fidel Amakye Owusu considera que esse acordo não será suficiente para responder às necessidades políticas e de desenvolvimento dos 18,5 milhões de cidadãos do Chade.
"Muitos chadianos queriam um sistema federal, mas isso não aconteceu. Quando o sistema é centralizado, dá à autoridade central mais poder do que de outra forma. Portanto, não vemos nada a mudar", comentou.
As eleições presidenciais, legislativas, senatoriais e municipais estão marcadas para 2024, e o líder de transição Deby poderá concorrer à presidência ao abrigo da nova Constituição.
"Este referendo foi uma forma de legitimar o tipo de transição que os militares no Chade desejam para o país, e não necessariamente um reflexo da vontade do povo", opinou Fidel Amakye Owusu.
Os líderes militares do Chade acreditam que a nova Constituição é um passo vital rumo às eleições do próximo ano e ao regresso a um regime civil. Owusu espera que Deby se torne presidente quando as eleições forem realizadas, para dar continuidade à dinastia Deby iniciada quando o seu pai assumiu o poder através de um golpe de estado, há 33 anos.
Muitos grupos de oposição apelaram ao boicote ao referendo, temendo que a junta tivesse demasiado controlo sobre o processo. Isto deixou muitas pessoas no Chade, o quinto maior país de África em área, insatisfeitas com o processo de transição.
"O elemento mais importante necessário para o aprofundamento da democracia no Chade é quando o povo pode ser dono da democracia”, disse Owusu. "Se negar ao povo a Constituição que ele deseja para si, então o povo não poderá ser dono da democracia", acrescentou.
Owusu alerta que permitir que os militares dominem o governo após as eleições gerais poderia significar a ruína para o país.
"No Sahel, o que se está a tornar comum e também erróneo é pensar que os militares podem fazer melhor que o governo civil quando se trata de combater o extremismo ou de garantir a estabilidade", referiu. "Isso provou estar errado", concluiu.