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Com uma nova Constituição, o que se espera no Chade?

Isaac Kaledzi
31 de dezembro de 2023

Com os resultados do referendo confirmados pelo tribunal superior do país, os chadianos aguardam eleições em 2024 e um novo governo civil. Mas os analistas não esperam que muita coisa mude no país ou na sua política.

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O general Mahamat Idriss Deby tomou o poder em 2021 depois de o seu pai e governante de longa data, Idriss Deby, ser morto enquanto lutava contra insurgentes
O general Mahamat Idriss Deby tomou o poder em 2021 depois de o seu pai e governante de longa data, Idriss Deby, ser morto enquanto lutava contra insurgentesFoto: Francois Mori/AP/dpa

A nova Constituição do Chade, um país com mais de 200 grupos étnicos, entrou em vigor depois de ter sido aprovada pelo Supremo Tribunal do país, abrindo caminho para a instauração de um regime civil.

O tribunal confirmou na quinta-feira (28.12) os resultados do referendo de 17 de dezembro, que viu a nova Constituição ser aprovada com 85,9% de votos. A participação eleitoral foi de 62,86%, com cerca de 8 milhões de pessoas elegíveis para votar.

Petições de opositores que pretendiam anular o referendo foram rejeitadas pelo tribunal.

Fidel Amakye Owusu, especialista em relações internacionais do Consórcio de Pesquisa de Conflitos para África, disse à DW que o último movimento do Chade em direção a um regime civil parece diferenciá-lo dos seus vizinhos politicamente instáveis na região do Sahel. Mali, Burkina Faso e Níger estão todos sob regimes militares.

"Os líderes [chadianos] querem que o mundo veja o Chade um pouco diferente ou que tenha uma situação que seja mais única do que está a acontecer no Sahel", comentou.

Tschad | Proteste in Ndjamena
Manifestantes criticaram nas ruas de N'Djamena a tomada do poder pelos militaresFoto: Le Visionnaire/REUTERS

O presidente de transição do Chade, general Mahamat Idriss Deby, tomou o poder em 2021 depois de o seu pai e governante de longa data, Idriss Deby, ter sido morto enquanto lutava contra os insurgentes. Deby assinou a nova Constituição em vigor na sexta-feira (29.12).

A favor do federalismo

A nova Constituição do Chade manterá um estado governado centralmente, apesar de alguns opositores desejarem um estado federal para ajudar a acelerar o desenvolvimento.

Na verdade, o referendo nem sequer deu espaço para que as pessoas decidissem sobre essa questão, uma vez que o tema não constava do boletim de voto. O Chade tem um governo centralizado desde que conquistou a independência de França em 1960.

Os defensores do "não" a favor do referendo eram a favor de uma transição para um estado federal, argumentando que um governo central não conseguiu desenvolver o Chade, uma das nações mais pobres do mundo. Um inquérito publicado no início de 2023 pela Rede de Jornalistas e Repórteres Chadianos mostrou que mais de dois em cada três chadianos, ou 71%, eram a favor da mudança para um sistema federal.

O analista e professor chadiano Gilbert Maoundonodji, da Universidade de N'Djamena, disse que as preocupações sobre o fracasso do Estado governado centralmente eram legítimas.

"Depois de 60 anos de Estado unitário, as fraquezas são óbvias. O Estado unitário não contribuiu para alcançar a unidade nacional, para criar as condições para o desenvolvimento sustentável e a prosperidade da unidade do país", disse Maoundonodji à DW.

"E quando vemos as crises, os diferentes conflitos que o país viveu, os receios são fundados”.

Autoridade central deverá manter o poder

Os defensores da nova Constituição criaram, em vez disso, governos e representantes a nível local, com o objetivo de permitir que os cidadãos votassem nos seus representantes nas eleições do próximo ano.

Tschad N'Djamena | Referendum
Dois em cada três chadianos, ou 71%, eram a favor da mudança para um sistema federalFoto: Denis Sassou Gueipeur/AFP

Mas Fidel Amakye Owusu considera que esse acordo não será suficiente para responder às necessidades políticas e de desenvolvimento dos 18,5 milhões de cidadãos do Chade.

"Muitos chadianos queriam um sistema federal, mas isso não aconteceu. Quando o sistema é centralizado, dá à autoridade central mais poder do que de outra forma. Portanto, não vemos nada a mudar", comentou.

As eleições presidenciais, legislativas, senatoriais e municipais estão marcadas para 2024, e o líder de transição Deby poderá concorrer à presidência ao abrigo da nova Constituição.

"Este referendo foi uma forma de legitimar o tipo de transição que os militares no Chade desejam para o país, e não necessariamente um reflexo da vontade do povo", opinou Fidel Amakye Owusu.

Os líderes militares do Chade acreditam que a nova Constituição é um passo vital rumo às eleições do próximo ano e ao regresso a um regime civil. Owusu espera que Deby se torne presidente quando as eleições forem realizadas, para dar continuidade à dinastia Deby iniciada quando o seu pai assumiu o poder através de um golpe de estado, há 33 anos.

Primeiro-ministro chadiano, Saleh Kebzabo, vota no referendo constitucional
Referendo constitucional abriu portas para mudanças na lei fundamental do paísFoto: Denis Sassou Gueipeur/AFP/Getty Images

Muitos grupos de oposição apelaram ao boicote ao referendo, temendo que a junta tivesse demasiado controlo sobre o processo. Isto deixou muitas pessoas no Chade, o quinto maior país de África em área, insatisfeitas com o processo de transição.

"O elemento mais importante necessário para o aprofundamento da democracia no Chade é quando o povo pode ser dono da democracia”, disse Owusu. "Se negar ao povo a Constituição que ele deseja para si, então o povo não poderá ser dono da democracia", acrescentou.

Owusu alerta que permitir que os militares dominem o governo após as eleições gerais poderia significar a ruína para o país.

"No Sahel, o que se está a tornar comum e também erróneo é pensar que os militares podem fazer melhor que o governo civil quando se trata de combater o extremismo ou de garantir a estabilidade", referiu. "Isso provou estar errado", concluiu.