Corrupção: Onde está a ser aplicado o dinheiro recuperado?
23 de janeiro de 2024O ano de 2024 arranca em Angola com desenvolvimentos em dois dos casos mediáticos que têm marcado a governação do Presidente João Lourenço.
Num despacho de 11 de janeiro, o Ministério Público acusa a empresária Isabel dos Santos de 12 crimes no processo que envolve a sua gestão na Sonangol. Dias mais tarde, o Presidente João Lourenço autorizou a abertura de um concurso público para a privatização dos 39 hotéis que pertenciam ao empresário Carlos São Vicente e que foram recuperados pelo Estado.
Em entrevista à DW, o analista Eugénio Costa Almeida defende que, "mesmo que associados", os poderes judiciais e político têm de ser separados.
Quanto ao combate à corrupção em Angola, Costa Almeida frisa que não tem havido "grandes desenvolvimentos". "Diz-se que o Estado já recuperou vários milhares de milhões de dólares nesse combate, mas também ainda não percebemos bem onde é que esse dinheiro está a ser aplicado", acrescenta.
DW África: Os desenvolvimentos nestes dois casos podem ser indicativo de uma nova ofensiva na luta contra a corrupção em Angola?
Eugénio Costa Almeida (ECA): É verdade que não se pode dissociar um caso do outro. Cada vez que aparece um ato qualquer de justiça, num caso de corrupção, aparece sempre o nome do Presidente João Lourenço associado. No novo processo, neste caso da Sonangol, contra a engenheira Isabel dos Santos, a resposta dela é que trata-se de um ato político para fortalecer a imagem de João Lourenço face às crises sociais que imperam no país. Não sei se será mais uma forma de combate ou de reforço ao combate à corrupção. Os dois casos que fala, mais concretamente o relativo a Carlos São Vicente, acho que o processo judicial ainda não acabou. Portanto, há acórdãos pendentes. Acho que há aqui sim, da parte do Governo, uma precipitação na tentativa de venda dos hotéis. Porque, enquanto o processo não transitar em julgado, está em processo. E, portanto, tudo o que foi detido ou apreendido pela Justiça não deveria ser movimentado pelos órgãos competentes, neste caso o Governo. Ou seja, há aqui dois fatores em causa: a questão política e a questão judiciária. E há ainda um terceiro que, à partida, está subjacente e que aglutina tudo isto, que é o combate à corrupção. Até agora não temos visto grandes desenvolvimentos, diz-se que o Estado já recuperou vários milhares de milhões de dólares nesse combate, mas também ainda não percebemos bem onde é que esse dinheiro está a ser aplicado.
DW África: Onde está ou deveria estar a ser aplicado o dinheiro que está a ser recuperado?
ECA: Pois o problema é esse, se a matéria recuperada é só física, das duas, uma: ou o Governo está a geri-la bem e alguns dos dividendos servem para pagar dívidas externas ou serviriam para retorno ao país. Se passa a retorno ao país, face à situação social e económica em Angola, com falta de fundos para certas matérias, acho que os dividendos não estão a regressar bem. Se a detenção é financeira, o que está a acontecer? É para manter-se no estrangeiro e servir para pagar dívidas externas, ou deveria voltar ao país para ser capitalizado ou, mais corretamente, ser utilizado no desenvolvimento estrutural? Não me parece que as coisas estejam a ser muito visíveis.
DW África: Há analistas que têm frisado, por exemplo, na investigação da Sonangol, o facto de o nome de Manuel Vicente ter voltado a ficar de fora da mira da justiça angolana...
ECA: Recentemente foi dito que Manuel Vicente já não estava coberto pela imunidade que estava previsto. Portanto, a qualquer altura poderá ser chamado para responder perante processos que estão pendentes. Mas, na questão da Sonangol, só Isabel dos Santos foi visada. Por um lado, não é estranha esta situação. Mas, por outro lado, devia-se ter dito que este processo é exclusivamente à gestão da Sonangol, o que não quer dizer que não vão ser tratados outros processos que estão pendentes.