Como transmitir as memórias da luta de libertação?
26 de maio de 2015Esta ideia de transmitir às novas gerações os "verdadeiros valores da liberdade" foi defendida pelo antigo Presidente cabo-verdiano Pedro Pires e pelo ex-primeiro-ministro moçambicano Mário Machungo na segunda-feira (25.05), Dia de África, em Lisboa, no colóquio que marcou o encerramento da homenagem aos antigos associados da Casa dos Estudantes do Império (CEI), encerrada em 1965 pela PIDE, a polícia política portuguesa.
Manuel Videira, hoje com 78 anos, foi dirigente da CEI em Coimbra, onde tirou o curso de Medicina. O médico angolano, que também foi dirigente da Associação Académica em representação dos colegas das então províncias ultramarinas em África, diz que a fuga de 100 jovens africanos para Paris (França) nos anos 60 foi o episódio mais marcante da sua participação na luta clandestina pela independência de Angola.
Abordado pela DW África, o antigo vice-presidente de uma das últimas direções da CEI considera importantes as conferências e os colóquios em homenagem aos antigos associados para a transmissão de testemunhos à nova geração.
"Devemos insistir na importância da Casa dos Estudantes do Império na organização com êxito da célebre fuga dos 100 estudantes africanos. Porque é partir dessa fuga que os movimentos de libertação são reforçados com quadros capazes de dirigir e participar na luta", sublinha.
Entre o grupo de estudantes que fugiram de Portugal estavam Joaquim Chissano, que seria Presidente de Moçambique, o cabo-verdiano Pedro Pires, que também foi chefe de Estado, o antigo primeiro-ministro moçambicano Pascoal Mocumbi, de Moçambique, José Van-Dúnem, que foi primeiro-ministro de Angola, além de vários generais.
Espólio a estudar
Trata-se de um grande espólio que deve ser estudado com mais profundidade para transmissão de conhecimento às jovens gerações, com o envolvimento dos Ministérios da Cultura e de instituições como a Fundação Calouste Gulbenkian, que esta segunda-feira acolheu o momento alto da homenagem aos antigos alunos das ex-colónias que frequentaram a CEI.
Um dos participantes nesta homenagem foi Mário Machungo. Para o ex-primeiro- ministro de Moçambique, este registo de memórias é importante para a formação das novas gerações, que não têm ideia do que foi esse período difícil da luta contra o colonialismo português.
"São experiências diferentes que nos uniram na CEI, fizeram-nos sentir povos colonizados, espezinhados", recorda. No entanto, lamenta, "quando falamos disso, essa geração não quer saber porque a realidade é completamente diferente. Quando digo que um parente nosso foi deportado para São Tomé e nunca mais ninguém o viu, não querem saber."
Mário Machungo defende que são experiências como essas que têm de ser passadas às novas gerações, para que saibam o que os levou a fazer este combate pela libertação.
"Sem memória, futuro não faz sentido"
Pedro Pires, que dirige atualmente Fundação Amílcar Cabral, defende que "sem história e sem memória o futuro não tem sentido". Reconhece que houve falhas, mas também responsabilidades dos dirigentes africanos na necessidade de preservar o legado das lutas pelas independências dos países africanos de língua portuguesa.
"Se nós não tivermos a nossa memória, vamos receber a memória dos outros. Se não tivermos a nossa história, vamos receber a história dos outros. Seremos os outros e não nós mesmos", alerta o ex-Presidente de Cabo Verde.
Pedro Pires, tal como Miguel Trovoada, antigo Presidente de São Tomé e Príncipe, vieram a Lisboa juntamente com os antigos governantes França Van-Dúnem, Mário Machungo e Pascoal Mocumbi para participar no encerramento do colóquio de três dias. Um dos vários eventos organizados pela União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa (UCCLA) para destacar o papel desempenhado pela CEI no processo pela autodeterminação e independência dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP).