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Constituição moçambicana "possibilita" províncias autónomas

Nádia Issufo2 de fevereiro de 2015

O constitucionalista moçambicano Gilles Cistac diz que, para criar uma "república autónoma", como pede a RENAMO, seria preciso mudar a Constituição. Mas isso não se aplica à criação de "províncias autónomas".

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Afinal, as exigências da RENAMO de uma governação autónoma nas províncias em que obteve a maioria dos votos nas eleições de outubro passado não são tão absurdas ou infundadas, como acusam os críticos. Quem assim o considera é o moçambicano Gilles Cistac.

Em entrevista à DW África, o constitucionalista diferencia o conceito de "república autónoma", termo que usa o maior partido da oposição, de "governação provincial autónoma".

DW África: O que diz a Constituição de Moçambique sobre regiões autónomas?

Gilles Cistac (GC): A Constituição não fala de regiões autónomas, por isso não devemos associar o conceito de "regiões" a autonomia. Senão, seria necessário fazer uma reforma constitucional. Mas é possível falar de "províncias autónomas", porque, segundo a alínea 4 do artigo 273 da Constituição, o legislador pode estabelecer outras categorias autárquicas superiores ou inferiores à circunscrição territorial do município ou da povoação. Ou seja, hoje em dia há apenas autarquias locais de nível municipal, mas se, amanhã, o legislador quiser criar províncias como uma autarquia local pode fazê-lo.

É possível transformar a província numa autarquia local, o que significa criar uma nova pessoa coletiva de direito público, uma nova entidade jurídica, com autonomia. Porque a autarquia local tem autonomia administrativa, financeira e patrimonial.

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DW África: Acha que é com base neste fundamento legal que a RENAMO vai negociar com o Governo da FRELIMO?

GC: A minha opinião é pública e creio que os negociadores da RENAMO estão atentos a ela. Não posso impedir que eles a utilizem no diálogo. Para mim seria até uma boa solução, de compromisso, para a solução de uma tensão político-militar bastante aguda.

Também defendi a ideia da técnica legislativa da "lei experimental". Ou seja, pode-se experimentar este modelo apenas em algumas províncias durante um determinado período de tempo – entre três a cinco anos, por exemplo. Depois se avaliaria se o novo modelo de gestão, uma autarquia local de nível provincial, é ou não sustentável, ou se é preciso fazer correções. No termo desta experimentação, o Parlamento poderia estender este modelo a todas as províncias do país.

DW África: A RENAMO terá suficiente preparo legal para poder jogar com este fator? Por exemplo, aquando das revindicações relativamente a irregularidades eleitorais, o partido não soube agir devidamente, algo que o prejudicou…

GC: Penso que a RENAMO deve preparar um projeto mais consistente. Porque esta questão da autonomia levantará problemas relativamente às competências ou financiamento das províncias, por exemplo. Se uma província tiver um orçamento próprio será preciso criar receitas ou transferir receitas do Estado… Será também preciso definir o relacionamento entre o atual governador e esta nova entidade, além do relacionamento entre as autarquias locais, de nível municipal, e a província.

A RENAMO deve estar preparada, do ponto de vista técnico, para este leque de problemas. O partido terá de demonstrar a sustentabilidade do seu projeto. Os assessores da RENAMO deviam ter em conta esses aspetos para convencer o Governo – se o projeto fica "no ar" é claro que o executivo não avançará com isso.

RENAMO-Führer Afonso Dhlakama
Líder da RENAMO, Afonso Dhlakama, não reconhece resultados das eleições e anunciou uma "república autónoma" do centro e norte de MoçambiqueFoto: António Cascais

DW África: O que significaria a efetivação de uma governação provincial autónoma para o sistema de governação de uma maneira geral?

GC: Significaria criar uma nova entidade jurídica, com uma autonomia organizativa e financeira, significaria também ter uma política específica ao nível provincial e uma gestão patrimonial autónoma. Esta visão de autonomização será um salto qualitativo muito importante em termos de democracia local. As populações vão eleger pessoas que vão gerir a província e vão poder fiscalizar [mais de perto] a aplicação do programa eleitoral.

Mas tudo isto não significa o desaparecimento do governador. É claro que, com a implementação desta figura da autarquia local de nível provincial, os governadores perderiam muitos poderes. Nesta nova conjuntura de democracia local eles só iriam controlar os atos praticados pela nova autarquia, que é a província.