Corrupção aumenta preço dos combustíveis em Moçambique
13 de fevereiro de 2019Num relatório intitulado "Corrupção e más práticas nos setores dos combustíveis e de energia eléctrica - Seus efeitos para o orçamento das famílias moçambicanas", publicado esta terça-feira (12.02), o Centro de Integridade Pública (CIP) denuncia corrupção e más práticas nos setores dos combustíveis e energia.
A ONG, que trabalha em prol da transparência em Moçambique, revela, por exemplo, que apenas cerca de metade do preço que o consumidor paga pelo gasóleo, gasolina e gás de cozinha nos postos de venda ao público é referente ao custo real do produto.
A DW África entrevistou a pesquisadora da ONG Inocência Mapisse, que fala na existência de uma rede criminosa bem organizada, que terá certos "privilégios" informativos e que "opera num sistema de fraca monitoria e fiscalização".
DW África: Segundo o relatório do CIP, metade do que o consumidor paga pelos combustíveis é para despesas como compensação aos distribuidores, despesas de distribuição, taxas e impostos. Essas despesas foram propositadamente criadas para alimentar um sistema corrupto ou não restava alternativa ao setor se não pagar tudo isso?
Inocência Mapisse (IM): Alternativas existem sempre. O que aconteceu aqui é que foi criado um sistema tal de venda, importação, distribuição de combustíveis líquidos que acabou culminando com esta situação, em que o consumidor final acaba arcando com grande parte das despesas. Isso significa que o consumidor final acaba financiando a arquitetura que foi desenhada para importação de combustíveis. Alternativas diferentes destas com certeza existem e podiam ter sido estudadas para que, no final das contas, o consumidor final saísse beneficiado.
DW África: O relatório diz que uma parte do combustível em trânsito em Moçambique permanece ilegalmente no território, lesando o Estado. Presume-se que, para isso, seja necessário um sistema ilícito bem montado. O CIP sabe como ele opera e quem seriam os cabeças?
IM: Trata-se mesmo de crime organizado e que opera num sistema de fraca monitoria e fiscalização. Se houvesse uma monitoria mais detalhada em relação aos combustíveis que devem ser enviados para países vizinhos, que têm como destino esses países, esta situação seria minimizada. Trata-se de gente que talvez tenha privilégios em termos de informação e que acaba usando estes privilégios para realizar estas atividades não legais.
DW África: No relatório, o CIP diz que a Petromoc faliu por causa de corrupção. Em que medida a falência técnica desta empresa é lesiva para o consumidor?
IM: Sendo a Petromoc uma das distribuidoras e importadoras também de combustíveis dentro do país, a sua situação financeira tem um grande impacto nos custos de importação dos combustíveis. Há um tempo atrás, as gasolineiras necessitavam de garantias bancárias para entregar à importadora, que é a Imopetro, para terem o financiamento necessário para a importação de combustíveis. Mas na verdade o que acabava acontecendo é que, pelo facto de a Petromoc se encontrar em falência técnica, as garantias bancárias acabavam demorando. E já foi citado mesmo pela própria Imopetro que isto acabou custando muito à Imopetro no processo de importação.
DW África: Segundo o documento, no setor da energia, a "engenharia da corrupção" parece ser mais sofisticada. A Eletricidade de Moçambique (EDM) compra energia a produtores independentes de energia elétrica a preços três a quatro vezes mais altos que a Hidroelétrica de Cahora Bassa (HCB), que por sua vez exporta mais do que deixa para o país. Isso é baseado nalgum regulamento ou modelo de mercado implementado em Moçambique?
IM: A EDM compra energia a estes produtores independentes sem sequer poder negociar. Portanto, não existe nenhum modelo que garanta que o preço vendido pelos produtores independentes é o preço que deve ser. E pelas constatações que nós fizemos, é um preço três a quatro vezes acima do preço vendido pela Hidroelétrica de Cahora Bassa, que é tida como nossa e que produz o suficiente para alimentar o mercado nacional. Não existe nenhuma arquitetura que seja fiável, que diga que estes preços na verdade fazem algum sentido, para que a EDMA incorra nestes custos de 21 mil milhões em compra de energia e que, na verdade, poderiam ter sido poupados caso a EDM comprasse a energia à Hidroelétrica de Cahora Bassa.