Covid-19 pode impulsionar investigação científica em África
18 de maio de 2020A corrida por uma vacina e medicamentos contra o novo coronavírus está a impulsionar as pesquisas internacionais – há centenas de estudos a decorrer em todo o mundo e fundos estão a ser concedidos aos cientistas, que estão cada vez mais conectados. A 15 de maio de 2020, a Cytel, um fornecedor de serviços para estudos clínicos, possuía 1.072 estudos para pesquisar a Covid-19 em todo o mundo, mas apenas 31 deles em África. A maioria é realizada na China (342), Estados Unidos (196) e Europa (297).
Mas surgem alternativas ao trabalho dos países que têm maior capacidade financeira para conduzir pesquisas. Por exemplo, no final do mês de março, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o estudo Solidarity (em português, Solidariedade) para apoiar a luta contra o coronavírus e reunir conhecimento oriundo de vários países.
No início de abril, cientistas de todo o mundo lançaram a Coligação de Pesquisa Clínica da Covid-19, com mais de 70 instituições, cientistas e fundações de 30 países envolvidos. O objetivo é reunir conhecimento internacional e multidisciplinar para apoiar as regiões do mundo estruturalmente mais fracas em termos de pesquisa científica.
"Ignorar África seria negligência"
Segundo Philippe Guérin, um dos idealizadores do projeto e diretor do Observatório de Dados sobre Doenças Infecciosas (IDDO) da Universidade de Oxford, "atualmente, a maioria dos esforços de pesquisa foca-se na redução da taxa de mortalidade de pacientes que já estão numa fase crítica da doença. Porém, nos países com poucos recursos, a capacidade de recuperar esses doentes [em fase avançada] é limitada. Por isso, seria importante descobrir como evitar que os pacientes cheguem ao estado mais crítico", explica Guérin.
Além disso, Helen Rees, também membro do conselho da recém-criada coligação de pesquisa, diz que muitos medicamentos funcionam em várias populações, mas certas vacinas não funcionam igualmente em todas elas. "Isso pode dever-se à propagação de outras doenças ou às condições de nutrição locais, por exemplo". Rees, que é diretora de medicina clínica na Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, explicou à DW que "não é preciso testar as substâncias em todos os países e populações. Mas ignorar um continente inteiro como a África seria negligência".
Pesquisas adaptadas às diferentes regiões
Os cientistas afirmam que há necessidades específicas nas diferentes regiões do mundo. Por isso, os métodos de pesquisa deveriam ser adaptados aos sistemas de saúde e grupos populacionais de cada área. Nas regiões mais pobres, os medicamentos, as vacinas ou os meios para diagnósticos deveriam ser acessíveis a toda a população, em vez de estarem sujeitos aos princípios da economia de mercado. E, para não ser deixada totalmente para trás como um local de pesquisa e estudos, África deveria receber apoio e ser rapidamente integrada nas redes de pesquisa globais, defende a coligação de pesquisa clínica.
Especialmente, porque em África existe uma excelente comunidade de pesquisa científica que já desenvolveu terapias e vacinas em áreas como a malária, tuberculose e HIV, diz Rees. De facto, o continente têm cientistas e conhecimento, mas é "limitado pela falta de recursos financeiros, pois a pesquisa é cara", diz Janet Byaruhanga, oficial de saúde sénior do programa de desenvolvimento da União Africana (UA) chamado Nova Parceria para o Desenvolvimento da África (NEPAD, na sigla em inglês). Byaruhanga explica que lançar um medicamento no mercado é muito caro - e esse é o maior desafio enfrentado pelos países africanos.
Falta de recursos
A falta de recursos não é um problema novo. Há décadas, cientistas africanos lutam contra a escassez de recursos, e as suas investigações frequentemente dependem de doações de países do norte. Os estados membros da União Africana já se tinham comprometido, em 2006, a gastar pelo menos 1% do seu respectivo Produto Interno Bruto (PIB) em investigação e desenvolvimento. Atualmente, a África do Sul tem um gasto com pesquisa de 0,82% do PIB – e é o país líder no continente.
Por causa da Covid-19, entretanto, mais dinheiro pode ser gradualmente mobilizado. A Academia Africana de Ciências (AAS) angariou recentemente junto de governos e outros doadores cerca de 2,5 milhões de euros em fundos adicionais para pesquisas sobre a pandemia.
Além disso, uma parte dos cerca de 15 milhões de euros do fundo de resposta à Covid-19 da União Africana (UA) deve ser direcionado para fins de pesquisa. Se comparados aos 7,4 mil milhões de euros que a União Europeia mobilizou até o momento com o seu programa "Resposta Global", essas somas podem parecer pequenas.
Entretanto, cientistas estão otimistas e esperam que a ajuda não se restrinja aos fundos de emergência. Querem que a experiência da Covid-19 alavanque, a longo prazo, mais investimentos para pesquisas nos países africanos. Segundo Janet Byaruhanga, África poderá sair mais forte desta crise: "Estou muito otimista de que agora estamos a dar passos certos nessa luta contra um inimigo comum".