África planeia uma revolução nas vacinas
9 de julho de 2021Neste momento, grande parte do continente africano está a ser assolado pela terceira vaga de infeçõesde coronavírus. Os especialistas temem que esta pode ser a pandemia mais grave até agora. Isto porque, neste momento, se espalha rapidamente a variante delta do SRA-CoV-2, que é a mais contagiosa e já causou enormes danos. Em África, o mutante depara-se com uma população maioritariamente não vacinada.
De acordo com os Centros Africanos de Controlo e Prevenção de Doenças (Africa CDC), pouco mais de 1% das pessoas em todo o continente já foram vacinadas com as duas doses necessárias para a prevenção completa. Cerca de 2,5% receberam a primeira dose. Em comparação, em toda a União Europeia (UE), pelo menos 50% das pessoas já receberam a primeira dose, de acordo com a página online Our World in Data. Um terço está duplamente vacinado.
África "à espera de ser salva por outros”
Esta disparidade no fornecimento de vacinas Covid-19 está a causar frustração e incompreensão a muitos políticos africanos. "O egoísmo neste mundo é mau", disse, na semana passada, o Presidente ugandês Yoweri Museveni, na Cimeira Mundial da Saúde na capital do seu país, Kampala. Dirigindo-se aos seus homólogos africanos, Museveni constatou em tom crítico: "É uma pena que o continente africano esteja a dormir e à espera de ser salvo por outros".
Os países africanos dependem quase inteiramente da importação de vacinas da América do Norte, Europa e Ásia. O que não se aplica apenas à luta contra a COVID-19, mas também contra doenças como o sarampo, o tétano e a tuberculose. Só cerca de 1% das vacinas administradas em todo o continente são produzidas em África. Atualmente existem unidades de produção apenas na Tunísia, Argélia, África do Sul e Senegal.
Os responsáveis querem mudar esta situação. Vários países africanos esforçam-se por promover a produção local de vacinas. A União Africana quer produzir 60% das vacinas necessárias em África até 2040m com prioridade para a COVID-19.
Perguntas e respostas
Porque é que demorou este tempo todo até o continente africano começar a fazer esforços concretos no para produzir vacinas em África? A razão básica é que os obstáculos técnicos para a produção de vacinas são muito elevados. Ela exige não só a instalações especializadas e dispendiosas de produção e enchimento, mas também a formação e educação de pessoal qualificado. Mesmo em países altamente industrializados, como os EUA ou a Alemanha, o desenvolvimento e a produção de vacinas têm de ser subsidiados com investimentos públicos avultados.
Muitos governos africanos não podem dar-se a esse luxo. Não é, portanto, coincidência que as poucas instalações de produção existentes em África, tais como os Institutos Pasteur no Senegal, Tunísia, e Argélia, sejam financiadas sobretudo pela cooperação para o desenvolvimento. Projetos na Nigéria ou na Etiópia, que não beneficiam do mesmo tipo de assistência, ainda não conseguiram levar a produção de vacinas à maturidade, apesar de anos de esforço.
O que mudou em consequência da pandemia?
Desde o início da pandemia, mas especialmente desde o início das campanhas de vacinação nos países ricos, o reforço das capacidades de inoculação passou para o topo da agenda de muitos países africanos. Já estão em andamento numerosos projetos, que incluem o estabelecimento dos chamados centros regionais de vacinas, que envolvem vários países.
Estas iniciativas são financiadas e apoiadas pela UE, o Banco Mundial, e outros doadores internacionais. Durante uma visita à África do Sul em maio, o ministro da Saúde alemão, Jens Spahn, anunciou uma ajuda de 50 milhões do seu país.
A maioria dos projetos anunciados destina-se à produção ou enchimento regional de vacinas já licenciadas em instalações de produção existentes. Uma vez que, para além das negociações de licenciamento, apenas as linhas de produção têm de ser adaptadas e as matérias-primas adquiridas, estes projetos podem ser realizados com relativa rapidez.
A Aspen Pharmacare da África do Sul foi a mais rápida a responder e é, até agora, a única instalação no continente a produzir a vacina Covid-19 da empresa americana Johnson & Johnson. A egípcia VACSERA planeia começar a fabricar a vacina chinesa Sinovac nas próximas semanas. Existem acordos de cooperação semelhantes entre empresas farmacêuticas africanas e fabricantes internacionais de vacinas noutros países, como o Senegal e a Argélia.
Obstáculos elevados
Onde ainda têm que ser instaladas linhas de produção ou enchimento, os planos demoram mais a implantar. Uma unidade de produção de enchimento e acabamento demora cerca de 18 meses a concluir, diz Simon Agwale, empresário biotecnológico e diretor da Aliança Africana dos Fabricantes de Vacinas (AVMI). E há outro problema: "Devido à pandemia, existe neste momento uma longa lista de espera para os fabricantes de equipamento adequado". Por isso Agwale não acredita que governos que anunciaram o arranque da produção de vacinas para este ano possam cumprir o prazo.
Igualmente complicado e moroso é o financiamento destes projetos. "Neste momento, todos falam em construir fábricas para a produção de vacinas Covid-19. Mas o que acontece depois da Covid?" pergunta Agwale. Segundo o empresário, tem de haver um plano concreto de como, por exemplo, as instalações de produção de mRNA necessárias para as vacinas Covid-19 da BioNTech ou Moderna, podem, mais tarde, ser usadas para outras vacinas. Na África do Sul está a ser construído um centro de transferência de tecnologia para vacinas do mRNA, que só deverá estar operacional no Verão de 2022.
Outros desafios
Os desafios para construir uma infraestrutura de vacinas em África são imensos. Para além das dificuldades corriqueiras, como o financiamento e a falta de conhecimentos técnicos, há questões complicadas relacionadas com a proteção de patentes, que têm vindo a ser discutidas há muitos meses, mas ainda estão longe de resolvidas. Outra questão é se os projetos atualmente em curso em África tornarão o continente menos dependente das empresas farmacêuticas dos países desenvolvidos.
Segundo o diretor da AVMI, Simon Agwale, a grande maioria dos projetos consiste em instalações de enchimento que dependem do fornecimento de matérias-primas pelos fabricantes de vacinas. Embora isto seja, em princípio, um progresso bem-vindo, "Se não houver também investimento na produção das próprias substâncias, acabamos por ter inúmeras fábricas de enchimento, mas nenhum produto que possa ser enchido".