CPLP: Cada Estado membro faz o que quiser
4 de dezembro de 2018A secretária-executiva da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), Maria do Carmo Silveira, disse em entrevista à DW África que a organização lusófona aguarda um sinal do futuro Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, no que concerne ao reforço da cooperação entre a nova presidência e a CPLP, espera que as reformas do Presidente João Lourenço tragam mudanças na vida dos angolanos, pede ajuda dos membros na integração da Guiné-Equatorial e nega que a CPLP seja uma organização com cariz comercial.
DW África: A CPLP é muito criticada pelos povos de ser uma organização muito pacífica e com menos presença na política interna dos países membros. Como é que explica esta situação?
Maria do Carmo Silveira (MCS) - Nós vivemos em democracia e em democracia há liberdade expressão e as pessoas são livres de pensar e agir. E, eu pessoalmente respeito a opinião dos outros. Agora, relativamente à questão da passividade da CPLP, o que posso dizer é que, a CPLP é uma organização intergovernamental, não é uma organização supranacional. Portanto, uma organização intergovernamental é um fórum de concertação e de partilha de boas práticas. Mas não existe mecanismos para obrigar qualquer Estado a cumprir alguma decisão da CPLP. Portanto, os Estados cumprem se quiserem, não é o mesmo, por exemplo, com a União Europeia, onde há uma decisão e essa decisão tem que ser de cumprimento obrigatório para os Estados membros, caso contrário haverá sanção. Não é o caso da CPLP, portanto, é uma organização intergovernamental, aí está a diferença. Nós não dispomos de mecanismos para obrigar qualquer Estado a acatar qualquer que seja a decisão. É esta a diferença que provavelmente algumas pessoas não entendem e acham que a CPLP podia ser mais interventiva. A CPLP, neste momento não tem instrumentos que permitam obrigar ou sancionar qualquer Estado pelo não cumprimento de uma decisão. Não havendo, naturalmente, fica limitada.
DW África: Com a entrada da Guiné-Equatorial na CPLP continuam a surgir vozes que entendem que a organização passou a ser mais comercial do que política?
(MCS) - Eu acho que não. A Guiné-Equatorial aderiu à CPLP e tem um roteiro para a sua adesão que está em curso. Esse roteiro contempla um conjunto de medidas como a promoção da língua portuguesa e outras medidas que estão em curso. Portanto, creio que é um Estado membro normal que tem que fazer o seu caminho, até porque a Guiné-Equatorial não sendo um país falante da língua portuguesa tem algumas dificuldades ainda na interação com outros e eu creio que é também dever da CPLP apoiar a Guiné-Equatorial na sua integração no seio da comunidade.
DW África: Questiona-se muito sobre o futuro da CPLP. A Organização tem futuro?
(MCS) - Acho que sim. É uma organização que está a fortalecer-se a cada vez mais, apesar das assimetrias que existem entre os Estados membros que eventualmente podia nos distanciar, mas pelo contrário, somos uma organização coesa e forte, aliás basta ver participação dos chefes de Estado, agora na última cimeira, estiveram quase todos presentes. Portanto, isso por si só é uma mensagem política muito forte de união e de compromisso político com a CPLP. E quando nos olhamos para países terceiros que querem aderir à CPLP com estatuto de observador associado, que neste momento, já são 19, quando os Estados membros são só 9, isso diz muito. Quer dizer que, de fora da comunidade, os outros países olham para nós com muito interesse. Quer dizer que existe um potencial grande que é extremamente importante.
DW África: E outro grande problema continua a ser a livre circulação das pessoas no seio do espaço da comunidade?
(MCS) - É uma questão muito importante. Há avanços que estão a ser feitos entre os países nesta questão da mobilidade, já existem muitos arranjos, quer bilaterais e quer mesmo multilaterais, para a mobilidade. Só que a aplicabilidade dessas medidas é que está um pouco, digamos, deficiente. Então, nós temos que verdadeiramente assumir todos os compromissos que foram assumidos nessa matéria e dar outros passos. Estou convencido que esses passos serão dados em prol dos cidadãos da nossa comunidade.
DW África: Qual é o papel da CPLP face à situação política de Moçambique em que a RENAMO continua a contestar os resultados eleitorais das autárquicas. O cenário pode pôr em causa o processo de paz. A CPLP está preocupada com o evoluir da situação?
(MCS) - A CPLP tem acompanhado a situação em Moçambique, embora, formalmente não tenha uma intervenção neste conflito. Temos estado a acompanhar as negociações entre o Governo e a RENAMO e esperamos que o desfecho de tudo isso seja uma pacificação duradoura de Moçambique, para o bem dos moçambicanos.
DW África: Como é que a CPLP olha para a eleição de Jair Bolsonaro como Presidente do gigante da organização, o Brasil?
(MCS) - Penso que a eleição refletiu a vontade de povo e a CPLP respeita essa vontade popular. Desejamos melhores sucessos ao novo Presidente e fazemos votos para que a sua eleição sirva para reforçar ainda mais os laços de cooperação e de amizade que existe entre o Brasil e todos os Estados membros da CPLP. Brasil é um Estado membro fundador da CPLP, bastante importante para a organização e a sua participação é importante.
DW África: Já há contatos como o novo Presidente do Brasil?
(MCS) - Ainda não tivemos. Naturalmente que nós felicitamos o novo Presidente pela sua eleição. E ficamos à espera de uma oportunidade para de fato poder receber uma resposta.
DW África: Como é que a CPLP vê as novas medidas de João Lourenço como Presidente de Angola?
(MCS) - O Presidente João Lourenço tem vindo a fazer algumas reformas extremamente importantes e que têm despertado a curiosidade da comunidade internacional e também da CPLP. Temos estado a acompanhar e fazendo votos para que tudo possa traduzir-se num sucesso para o desenvolvimento de Angola. No fundo, o que queremos é que os nossos países tenham estabilidade e possam desenvolver. E pensamos que em Angola existe essa estabilidade política e esperamos que as medidas que o o Presidente João Lourenço tem em carteira possam servir para relançar Angola no processo de desenvolvimento.