Crise migratória assombra o Governo alemão
20 de junho de 2018Desde a semana passada, os dois partidos da coligação da chanceler Angela Merkel, a União Democrata Cristã (CDU) e a União Social Cristã (CSU), entraram numa disputa sobre um possível endurecimento das políticas de asilo e refugiados, o que colocou em risco a estabilidade da aliança.
A base deste endurecimento é um "plano diretor", como nomeia o ministro do Interior e líder da CSU, Horst Seehofer, uma lista de 63 medidas individuais. Os partidos não foram capazes de chegar a um acordo sobre uma futura política comum para os refugiados.
A legenda de Seehofer pretendia proibir o ingresso na Alemanha de refugiados que tiverem entrado primeiramente em outro país da União Europeia (UE), algo que se aplica a quase todos os imigrantes. A CSU e partes da CDU mostraram sua aprovação. Já a chanceler alemã, Angela Merkel, rejeita as abordagens nacionalistas que não sejam acordadas com outros parceiros da União Europeia.
Na passada segunda-feira (18.06), a chanceler conseguiu que se esperasse até a próxima cimeira da União Europeia, no fim de junho, para que uma reforma da política de asilo possa ser acordada em bloco.
Merkel destacou que os dois partidos compartilham os objetivos comuns de reduzir a entrada de requerentes de asilo e organizar melhor a migração para a Alemanha, e que concordaram em trabalhar juntos.
"Recebi apoio para negociar acordos bilaterais com parceiros europeus na cúpula de 28 e 29 de junho. Para alcançar isso, precisamos de um Governo capaz de agir e, claro, de um forte mandato de negociação para mim, que recebi da CDU e de sua direção nacional", afirmou a chanceler alemã.
O plano da CSU
Até agora, pouquíssimas pessoas em Berlim tiveram acesso ao conteúdo do plano. Merkel conhece-o. Mas até mesmo a imprensa da capital não conseguiu publicar uma cópia. Mas, a CSU vem citando o documento há duas semanas. Fim dos benefícios financeiros para requerentes de asilo, mais rapidez nos processos dos requerentes, aviões especialmente fretados para deportações, entre outros, são alguns dos temas da proposta.
Nos últimos dias, Merkel discutiu intensa e publicamente com Seehofer e se posicionou contra os 63 pontos apresentados por ele. No entanto, ela concordou com 62 pontos do plano "sem restrições", e no 63º ponto existe agora um compromisso.
Seehofer mostrou-se relativamente satisfeito. "Estou feliz que ouvi de Berlim que dos 63 pontos, 62 e meio são apoiados", disse o ministro do Interior, ressaltando, no entanto, que o Governo ainda não tem a questão migratória sob controlo e que há muito trabalho a ser feito. Seehofer acrescentou que quer começar a barrar migrantes na fronteira se as negociações do bloco europeu não surtirem efeito.
A pergunta que permanece em aberto é sobre como deve ser implementado o plano. Na fronteira da Áustria com a Bavária, onde a maioria dos solicitantes de asilo entram, há 90 passagens, mas apenas três são controladas pela polícia.
Pressão para ambos os partidos
A CDU e a CSU estão sob pressão na Alemanha, uma vez que a competição política do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) está a crescer. Se a disputa entre os dois partidos da coligação de Angela Merkel continuar aumentando, a AfD deve se beneficiar dela. Já se a política para os refugiados endurecer, a AfD perde força.
Uma solução real é apenas europeia, Merkel e Seehofer sabem disso. A Alemanha é um país sem fronteira externa da EU. Como regra, os refugiados entram por meio de países terceiros. Mas a proposta originalmente pretendida na UE, incluindo as quotas de distribuição, não pôde ser implementada em três anos, sobretudo nos países da Europa Central e Oriental.
Perspetiva europeia
Merkel quer negociar soluções para questões de asilo e refugiados com outros países da UE nas próximas duas semanas. Este é o cerne da atual trégua entre a CDU e a CSU.
Num encontro com o novo primeiro-ministro italiano, Guiseppe Conte, no início desta semana, Merkel sublinhou que a cooperação bilateral deve ser fortalecida. Ela quer atender o desejo de Roma por mais solidariedade e promover a compreensão a respeito na Alemanha.
Conte disse que a UE precisa mudar a "perspetiva" sobre a questão dos refugiados. A Alemanha também estaria ciente disso, segundo o primeiro-ministro italiano. O sistema de Dublin deve ser superado. A Itália proporá, portanto, novas linhas de ação ao Conselho da União Europeia.
No total, 68,5 milhões de pessoas fugiram de seus países no ano passado, quase três milhões a mais do que no ano anterior, de acordo com o último relatório anual do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Filippo Grandi, comissário da ONU para os refugiados, apoia fortemente fronteiras abertas para aqueles que buscam proteção internacional. "Acreditamos que a Europa deve continuar a ser o modelo de asilo que tem sido há décadas, porque se a Europa se retira, como vamos encorajar países muito mais pobres em África, Médio Oriente, Ásia e América Latina a manterem suas fronteiras abertas para as pessoas que fogem dos conflitos mais terríveis?", questionou Grandi.