Crise no Mali do pós-golpe não tem data para terminar
4 de junho de 2012Depois do golpe militar de 22.03, o Mali embarcou em uma crise democrática que não parece ter data para terminar. Segundo a DW África apurou, o novo governo em Bamako tem mantido uma postura passiva demais enquanto o presidente interino Dioncounda Traoré segue em tratamento longe de casa, num hospital de Paris, depois de ter sido vítima de ataque.
Enquanto isso, no norte do Mali, os tuaregues avançam com ações pela libertação do Azawad, somadas ao levante pela implantação de um Estado islâmico.
Sharia obstáculo à aliança entre islâmicos e tuaregues
Tombuctu, a cidade mais famosa do Mali, está nas mãos dos rebeldes há algum tempo. O mesmo acontece com Gao e Kidal e mesmo Mopti, considerada a Veneza do Mali. Nessas áreas já dominadas pela sharia, a lei islâmica, bares e música ao vivo não são permitidos. Mulheres são obrigadas a usar véu e quem rouba pode ter sua mão direita cortada como punição.
Mas é justamente a sharia que está no centro das discussões que ainda impedem uma possível coligação entre os revoltosos tuaregues do MNLA (Movimento Nacional de Libertação do Azawad) e o grupo nacional islâmico Ansar Dine, considerado um braço da rede terrorista Al-Qaeda no Maghreb (Aqmi). O MNLA não tem uma orientação religiosa e refuta a adoção da sharia.
Ao que tudo indica, as negociações da semana passada resultaram infrutíferas, mas o coronel Ag Bouna, representante do MNLA mediu palavras para dizer que prosseguem as buscas por um entendimento. Segundo Bouna, as conversas foram apenas "um protocolo com o qual o MNLA não concorda. O movimento quer um Estado democrático e o Ansar Dine luta por um Estado islâmico. Mas estamos prestes a chegar a um acordo", afirma o militar.
Grupos rebeldes e reivindicações são diversos
Os tuaregues lutam por autonomia no norte do Mali e querem que a região do Azawad seja reconhecida como um país independente. O grupo étnico reúne cerca de 1,5 milhões de pessoas, que vivem em áreas de diferentes países do oeste africano.
Mas os tuaregues não são os únicos nessa região do Norte do Mali: as etnias Peuhl, Songhai e outros grupos étnicos da área não compartilham necessariamente a reivindicação tuaregue – e é exatamente por isso que os rebeldes têm buscado o apoio dos religiosos radicais.
O grupo islâmico Ansar Dine, por sua vez, busca legitimidade junto aos Tuaregues, para que não seja visto apenas como um braço terrorista. O historiador Bernard Lugan, especialista em África francófona, explica as divisões do Azawad: "Existe um Azawad tuaregue ao noroeste do Rio Níger, há um Azawad mouro no oeste do Rio Níger e há um Azawad multiétnico. São diversos povos locais e a única saída realista em termos federativos seria a criação da província do Azawad com três subprovíncias", sugere.
Separatistas contra quem?
A situação se torna ainda mais crítica uma vez que os grupos discutem alianças que vão de encontro à soberania nacional do país sem que isso desperte uma reação maior das autoridades. Isso porque, desde o golpe militar de 22.03 e com a indefinição causada com a saída do presidente Amadou Toumani Touré (também conhecido como ATT), não está claro de quem é a responsabilidade de reagir aos separatistas: se os ex-rebeldes e seu líder Amadou Haya Sanogo, se o primeiro-ministro do governo de transição, Cheikh Modibo Diarra, ou se o chefe de estado ausente Dioncounda Traoré.
Charlote Heyl, especialista em África do Instituto Leibniz de estudos globais e regionais em Hamburgo diz que a situação do Mali é "a mais grave desse processo de transição democrática. Acho muito preocupante que não exista nenhum plano claro a partir de Bamako", alerta.
As opiniões convergem para a necessidade de uma ação partindo de Bamako, independentemente de qualquer intervenção militar promovida pela CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental). Ao menos é nisso que acredita o repórter político do jornal L´Indépendant, Alassane Diarra. Segundo o especialista em questões do Mali, a CEDEAO "deveria apoiar o governo e fazer a interlocução com o Ansar Dine. Porque não se trata apenas da divisão do país. Enquanto o MNLA levanta a sua própria bandeira, acaba levando junto a do Ansar Dine", avalia.
Uma nova Somália?
A falta de ações do Estado pode promover uma fragmentação ainda maior do país. No entanto, para a especialista em África Charlotte Heyl ainda é prematuro afirmar que o Mali possa vir a se tornar uma nova Somália, onde o governo de transição detém as rédeas do poder há duas décadas.
Segundo Heyl, "o Mali passou por um período de 20 anos de relativa estabilidade, com instituições democráticas estabelecidas – e certas práticas não se perdem da noite para o dia. Mas é preocupante que haja um bloqueio em Bamako e que não se possa frear os diferentes grupos do Norte. Mas eu não consideraria como uma terra perdida", afirma a especialista.
Autora: Dirke Köpp / Ivana Ebel
Edição: Renate Krieger / António Rocha