Crónica da morte de um Estatuto dos Políticos em Cabo Verde
14 de abril de 2015Quinze dias depois do Movimento de Ação Cívica (MAC#114) ter organizado uma manifestação contra o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos que juntou nas principais cidades do país milhares de pessoas, os principais partidos políticos do país (PAICV e MpD) deitaram a toalha ao chão.
Eis o resumo dos acontecimentos no dia em que a proposta caiu por terra.
Cabo-verdianos ameaçam com novos protestos
Na manhã de segunda-feira (13.04), os dirigentes da União Nacional dos Trabalhadores de Cabo Verde - Central Sindical (UNTC-CS) e do Movimento de Ação Cívica (MAC#114) admitiram que, se os deputados voltassem a aprovar o Estatuto, poderiam avançar para uma ação conjunta de protesto. As duas organizações anunciaram que iriam transformar o 1º de maio, Dia Internacional do Trabalhador, numa jornada nacional de luta contra o Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos.
"Continuamos a defender que o momento não é oportuno para a aprovação desse documento", disse o secretário-geral da UNTC-CS, Júlio Ascensão Silva.
"Não há condições políticas"
Poucas horas depois, o presidente do Movimento para a Democracia (MpD), Ulisses Correia e Silva, anunciou o fim do consenso com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV).
"Não há condições políticas para continuarmos no processo de aprovação do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos, nem para a sua revisão, tendo em conta a situação interna do PAICV", afirmou. "Não temos um interlocutor válido neste momento, é um partido com um corpo e três cabeças. A relação de confiança foi posta em causa durante todo este processo."
O líder parlamentar do PAICV, Felisberto Vieira, e o primeiro-ministro, José Maria Neves, defendiam a aprovação do estatuto, mas a líder do partido, Janira Hopffer Almada, manifestara-se contra.
Fim "doloroso"
Por ser um diploma que exige a maioria qualificada, Felisberto Vieira anunciou ao final da tarde que, assim sendo, também caía o processo de reforma do Parlamento.
"Temos um conjunto de alterações no processo negocial, com a surpreendente notícia dada hoje pelo líder do MpD. Há uma movimentação cívica e política e ainda um conjunto de ruídos à volta deste processo. Pensamos que não existem efetivamente as condições necessárias para se avançar."
Felisberto Vieira falou de um dia triste para a democracia cabo-verdiana, contrariamente à satisfação manifestada pela sociedade civil.
"É doloroso que todo o trabalho feito até este momento chegue a este fim de uma forma abrupta", disse Vieira. "Penso que a democracia parlamentar sai a perder, o Estado de Direito de Cabo Verde sai a perder, mas é assim a vida política."
Estatuto poderá ser aprovado em 2017?
Esta terça-feira (14.04), o primeiro-ministro cabo-verdiano lamentou o facto de o PAICV e o MpD terem retirado da agenda a discussão e votação do Estatuto dos Titulares dos Cargos Políticos. José Maria Neves espera que o pacote que conduzirá a uma reforma profunda do Parlamento venha a ser aprovado em 2017, depois das eleições gerais do próximo ano.
“O Parlamento já tomou a decisão de suspender este debate", afirmou. "Espero que as próximas eleições legislativas, autárquicas e presidenciais sejam jornadas democráticas para o debate aprofundado dessas questões com a sociedade cabo-verdiana, e após essas eleições, eventualmente em 2017, se faça uma profunda reforma do Parlamento, incluindo a problemática do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos.”
Na semana passada, o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, vetou o projeto de lei do Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos, depois de muitos apelos nesse sentido feitos por diversos sectores da sociedade cabo-verdiana, entre os quais, pelo cardeal de Cabo Verde, Dom Arlindo Furtado.