Ramaphosa "resistiu" à corrupção enquanto vice-Presidente
12 de agosto de 2021O presidente sul-africano, Cyril Ramaphosa, admitiu esta quarta-feira (11.08) que havia corrupção estatal "desenfreada" no período em que foi vice-Presidente do país, durante a Presidência de Jacob Zuma. Ouvido na comissão que investiga a chamada "grande corrupção" na África do Sul, durante a Presidência de Zuma (2009-2018), o atual chefe de Estado disse que não se demitiu na altura, porque a sua demissão impediria os seus esforços de combate à corrupção.
Perante o juiz Raymond Zondo, Ramaphosa afirmou que, diante dos factos, havia cinco opções: "A primeira opção era renunciar. A segunda opção teria sido falar. E a terceira teria sido aceitar e simplesmente continuar. A quarta teria sido permanecer em silêncio. E a quinta opção seria permanecer, mas lutar, na esperança de que poderíamos dar a volta às coisas".
Segundo o Presidente sul-africano, a única opção válida foi continuar como vice-Presidente, de forma a "resistir a alguns dos mais flagrantes abusos de poder".
"Se eu e outras pessoas nos tivéssemos demitido do Executivo, não teríamos tido capacidade de combater alguns dos abusos que estavam a ocorrer, e havia o perigo claro de que, sem alguma medida de luta, teria havido ainda menos obstáculos à expansão sem limites do projecto de captura do Estado", afirmou.
ANC na mira de Ramaphosa
No primeiro de dois dias de depoimento na qualidade de vice-Presidente e Presidente da República, Ramaphosa procurou distanciar-se do seu antecessor Jacob Zuma, apresentando-se como um dirigente que resistiu à captura do Estado a partir do interior do próprio Estado e do ANC, de que é presidente desde 2018.
"Pôr fim à captura do Estado permitirá que o Estado concentre os seus esforços e recursos de forma mais eficaz na prestação de serviços públicos, o que é fundamental para a transformação e o desenvolvimento da nossa sociedade", declarou o presidente sul-africano perante o juiz Raymond Zondo, que lidera a investigação à grande corrupção pública no mandato do ex-Presidente Jacob Zuma, preso desde 8 de julho por desacato ao Tribunal Constitucional.
Ramaphosa foi vice-Presidente de Zuma durante quatro anos, entre 2014 a fevereiro de 2018, altura em que chegou à Presidência do país, tendo escolhido o combate à corrupção como o seu cavalo de batalha.
Durante a sua primeira audição, em abril, Ramaphosa evitou perguntas sobre o seu conhecimento dos sinais e da profundidade da corrupção no Estado sul-africano na altura em que era vice-Presidente. Nesta quarta-feira, apontou as "setas” para o seio do seu partido, o Congresso Nacional Africano (ANC), onde considera que a corrupção está enraizada.
"As pessoas comuns detestam a corrupção e nem sempre sentiram que o ANC, tivesse tomado medidas contra os seus membros envolvidos em atos de corrupção, mas agora o jogo mudou. A linha foi traçada, vamos ser muito sérios e no ANC dizemos que nos estamos a renovar", sublinhou.
Encontros com os Gupta
Sobre as alegações que enfrenta relacionadas com a estatal elétrica Eskom, que se encontra praticamente falida, Ramaphosa disse que renunciou, em 2014, ao conselho não-executivo da Optimum Coal, sublinhando que "vendeu" as suas ações na empresa fornecedora da Eskom "pouco antes de ser nomeado vice-presidente" do país, em 2013. A mina da Optimum Coal foi vendida pela Glencore à controversa família indiana Gupta.
Ramaphosa, de resto, deu a entender um "total desconhecimento" sobre as decisões de Zuma e dos seus aliados no seio do partido no poder e também no Estado, incluindo na gestão da estatal elétrica Eskom.
Sobre os Gupta, o Presidente sul-africano admitiu que se reuniu pela primeira vez com os controversos empresários, próximos do ex-Presidente Jacob Zuma, logo após ter sido eleito para a vice-presidência do partido no poder, em 2012, e detalhou outros encontros, considerando-os amigos de Zuma.
O inquérito sobre "grande corrupção” na África do Sul resulta de uma investigação realizada em 2016 pelo Tribunal Constitucional do país, que constatou haver provas de que Zuma permitiu que membros da família Gupta influenciassem as nomeações do seu Gabinete e a adjudicação de contratos estatais lucrativos.
Uma acusação já rejeitada por Jacob Zuma, alegando que a investigação tem motivações políticas, pelo que se recusa a comparecer nas audiências da comissão liderada por Raymond Zondo.
Cyril Ramaphosa continua a ser ouvido na comissão judicial esta quinta-feira (12.08).