Declaração dos Direitos Humanos chega aos 75 anos sob ameaça
10 de dezembro de 2023No dia em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 75 anos, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, alerta,para a crescente ameaça que a desigualdade, o autoritarismo, as alterações climáticas e os conflitos armados representam para os direitos e as liberdades da população mundial.
"O mundo está a perder o rumo", afirmou, este domingo (10.12).
"Os conflitos estão a espalhar-se com virulência. A pobreza e a fome estão a aumentar. As desigualdades estão a tornar-se mais profundas, as alterações climáticas tornaram-se uma crise humanitária, o autoritarismo está a aumentar, o espaço civil está a diminuir, os meios de comunicação estão sitiados, a igualdade de género é um sonho distante e os direitos reprodutivos das mulheres estão a retroceder", lamentou o secretário-geral da ONU, afirmando que todas estas crises ameaçam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
A Assembleia Geral da ONU adotou o documento a 10 de dezembro de 1948, apenas três anos após a devastação provocada pela Segunda Guerra Mundial. As suas intenções estão resumidas no seu primeiro artigo: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais na sua dignidade e direitos".
"Um texto milagroso"
Hoje em dia, pode parecer uma afirmação óbvia, mas, na época, foi considerada um avanço significativo na cooperação global.
"A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto milagroso", afirma Volker Türk, alto-comissário da ONU para os Direitos Humanos, em comunicado. "Numa altura em que o mundo emergiu de acontecimentos cataclísmicos, a Declaração estabeleceu direitos universais e reconheceu o valor igual de cada pessoa", lembra.
No entanto, Türk lembra que "mesmo que os 30 artigos da Declaração tenham desencadeado uma transformação em todas as áreas das nossas vidas (...) as brasas do racismo, da misoginia, da desigualdade e do ódio continuam a ameaçar o nosso mundo".
No seu discurso, este domingo, Guterres também lembrou o primeiro artigo da Declaração e afirmou que este princípio deveria ser "o roteiro para acabar com as guerras, curar divisões e promover uma vida de paz e dignidade para todos".
"A Declaração Universal dos Direitos Humanos mostra-nos o caminho para resolver tensões, exercer valores comuns e criar a segurança e a estabilidade que o nosso mundo tanto anseia", disse.
Cenário sombrio
A ONU estima que existam atualmente 110 milhões de refugiados em todo o mundo e 735 milhões de pessoas sem comida suficiente. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), 50 milhões de pessoas estão em situação de escravidão.
"Agora, mais do que nunca, é a hora dos Direitos Humanos", observa Türk, afirmando que o texto "não é apenas um documento histórico, mas um testemunho vivo" da humanidade que partilhamos, "um guia intemporal".
Na opinião do alto-comissário, o mundo sofre atualmente com níveis de conflitos violentos inéditos desde o final da Segunda Guerra Mundial, com o agravamento das desigualdades, o aumento da discriminação, do discurso de ódio, da impunidade, das divisões e da polarização, além da emergência climática.
"Isto realça ainda mais a necessidade de fazer um balanço, aprender lições e delinear em conjunto uma visão para o futuro baseada nos direitos humanos", destaca Türk.
Para Heiner Bielefeldt, professor de direitos humanos na Universidade de Erlangen, no sul da Alemanha, no geral, a situação é de um quadro sombrio que "extrapolou dramaticamente o pior cenário que podíamos imaginar há dez anos".
"Não houve apenas retrocessos, como também colapsos absolutos, tanto graças ao avanço dos regimes autocráticos como às tendências autocráticas nas democracias estabelecidas", salienta, em entrevista à DW.
Sistema em risco de colapso
Apesar da grave situação, Bielefeldt aponta alguns progressos, como o mandado de prisão emitido para o presidente russo, Vladimir Putin, pelo Tribunal Penal Internacional. A Rússia, no entanto, não reconhece a instituição, tornando pouco provável que Putin enfrente justiça no seu país por ordenar a invasão da Ucrânia.
Dado o número de crises que a comunidade internacional enfrenta, Bielefeldt destaca que conseguir um equilíbrio continuará a ser um desafio significativo para os decisores políticos.
"Não se trata mais apenas de violações dos direitos humanos aqui e ali, ou de violações do direito humanitário internacional, mas do fato de todo um conjunto de regras internacionais, desenvolvido ao longo de décadas, correr o risco de ser destruído", alerta.