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Espiões detidos: Relações Maputo-Pretória em deterioração?

13 de julho de 2021

Recente detenção de espiões sul-africanos em Moçambique só confirma tensões diplomáticas entre Moçambique e África do Sul, garantem analistas. Mesmo assim, os dois países insistem em negar o "gelo". Vem aí piores dias?

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Cyril Ramaphosa, Presidente da África do Sul (esq.), e o seu homólogo moçambicano, Filipe NyusiFoto: Getty Images/AFP/G. Guercia/Y. Chiba

Robert McBride caiu recentemente nas malhas das autoridades moçambicanas quando supostamante espionava assuntos relacionados ao terrorismo em Cabo Delgado. Ele é nada mais nada menos que o chefe das operações internacionais da secreta sul-africana.

No começo do ano, também quatro espiões sul-africanos foram pegos em território moçambicano, o que terá levado o Presidente e a ministra da Segurança do África do Sul a visitarem Maputo em abril. O facto causou alguma surpresa, dada a relação de "irmandade" entre os dois países, mas veio confirmar as crispações que os vizinhos fazem questão de escamotear.

No entender de Manuel de Araújo, político e especialista em relações internacionais, "a detenção dos agentes sul-africanos é mais um sinal de que as relações diplomáticas entre Maputo e Pretória não estão nos seus melhores dias".

"Vários sinais"

Para Araújo, "este é mais um sinal entre os vários sinais". E o analista aponta outros factos: a não solução do caso do ex-ministro das Finanças moçambicano, Manuel Chang, há mais de dois anos detido na África do Sul sem que este país tome uma posição em relação ao assunto; e o adiamento por mais de uma vez da sessão da Troika da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC, na sigla em inglês) para decidir sobre o envolvimento das forças da SADC em Cabo Delgado.

GMF2021 | Speaker | Manuel de Araujo
Manuel de Araújo: "As relações entre Maputo e Pretória não estão nos seus melhores dias"Foto: Quelimane Municipality

Apesar dos recentes incidentes, os dois vizinhos negam qualquer crispação, preferindo "resolver o assunto em família", como tem sido habitual na SADC. Mas o especialista alemão em direito internacional residente na África da Sul André Thomashausen desvaloriza a "propaganda" dos vizinhos e lembra que a relação nunca foi perfeita.

Segundo Thomashausen, o mal-estar é muito baseado num acordo de não agressão assinado com os Botha, durante o regime do Apartheid na África do Sul, nos anos 80, quando Maputo entregou, em troca, os camaradas do ANC refugiados em Moçambique, o que desagradou o ANC.

Entretanto, sobre o caso McBride, o académico diz que "este último mal-entendido, de uma operação secreta sul-africana de colocar agentes secretos com aparelhos, com drones, numa missão que ninguém percebe bem o que é, sem informar os colegas em Moçambique, é só mais um episódio no relacionamento que nunca foi fácil".

Ainda de acordo com Thomashausen, essa situação tem a ver com o domínio da economia sul-africana na economia do sul de Moçambique, nos setores do turismo e dos consumos, por exemplo. "E tem havido casos muito trágicos de xenofobia, em que trabalhadores moçambicanos foram mortos", recorda.

Suspensão do chefe de operações

E numa aparente tentativa de se desembaraçar da "saia justa", Pretória suspendeu Robert McBride do cargo. No caso dos espiões detidos no começo do ano, o responsável das operações internacionais da secreta sul-africana terá agido à margem de um protocolo operacional entre os dois países, que estabelece que as autoridades moçambicanas sejam notificadas sobre as atividades dos agentes secretos da África do Sul.

Moçambique: A irrelevância do discurso de desenvolvimento?

Para Araújo, o incidente mostra que não há entendimento entre Pretória e vários membros da SADC sobre as origens do conflito em Cabo Delgado, sobre o envolvimento de forças estrangeiras, estratégia e métodos de combate ao terrorismo.

"A detenção surpreendeu porque achamos que entre países amigos, que é o que pensávamos, este tipo de situação não seria normal, a África do Sul não enviaria espiões sem conhecimento de Moçambique e também, mesmo que Moçambique tivesse detetado uma célula sul-africanos, acionaria os mecanismo apropriados para o desmantelamento desta célula e o envio para o país de origem sem passar por uma detenção", afirma o analista moçambicano.

Porém, continua Manuel de Araújo, "quando se efetiva a detenção mostra-se que os canais diplomáticos, militares e de segurança andam de alguma forma entupidos e a única forma que houve para demonstrar descontentamento foi a detenção, até que os donos se pronunciassem sobre os elementos".

Incidentes afetam a diplomacia?

Os incidentes de suposta espionagem colocam Pretória em situação confrangedora. Mas é preciso lembrar que a África do Sul é uma das maiores potenciais africanas e Moçambique depende muito do vizinho economicamente. Poderão os incidentes afetar as relações?

Manuel de Araújo diz que a África do Sul poderá não mostrar "musculatura" em relação a esta ação, "mas de certeza que a atitude não é bem vista nem no setor securocrata e nem diplomático de Pretória e não só".

"É preciso notar que os discursos da ministra da Defesa e dos Negócios estrangeiros [da África do Sul] têm estado num diapasão contrário aos desejos de Moçambique. A ministra da Defesa afirmou recentemente, por exemplo, que achava estranho que Moçambique não tivesse anunciado sobre a presença de forças ruandesas antes da chegada do contingente da SADC. Este pronunciamento público é feito em nome da África do Sul", ressalta Araújo.

E pela evolução negativa das relações, o académico Thomashausen não augura melhorias entre os vizinhos: "A aventura em que o novo chefe dos assuntos externos da SSA se empenhou de enviar agentes para Moçambique possivelmente para atos de violência ou de sabotagem para possivelmente enfraquecer os insurgentes evidentemente que vai não melhorar o entendimento dos dois países", conclui.

Nádia Issufo
Nádia Issufo Jornalista da DW África