Detenções em Cabinda: PR é "cúmplice da degradação social"
17 de dezembro de 201729 pessoas foram detidas no sábado, em Cabinda, quando se mobilizavam para realizar uma marcha de protesto contra a violação dos direitos humanos no enclave. Entretanto, foram postas em liberdade, mas terão de se apresentar esta segunda-feira (18.12) na polícia, segundo o ativista Aarão Bula Tempo, que promete anunciar novas ações de protesto.
Em entrevista à DW África, o ativista de Cabinda denuncia a violência da polícia contra os manifestantes e dá conta da mobilização de comandos do Exército, agentes da Polícia de Intervenção Rápida e da Polícia Nacional numa "caça ao homem” para travar os ativistas.
Aarão Bula Tempo acusa João Lourenço de ser "cúmplice da degradação social” e diz que o Governo continua a discriminar Cabinda, enquanto as restantes províncias podem manifestar-se.
DW África: Em que circunstâncias foram detidos os 29 manifestantes em Cabinda, este sábado?
Aarão Bula Tempo (ABT): Quando se dirigiam ao local onde deveriam concentrar-se antes da marcha, passando por uma esquadra policial, os ativistas dos direitos humanos foram interpelados, detidos e espancados. Foram levados diretamente à investigação criminal. Outros ativistas foram apanhados no local da concentração, no Chiloango.
DW África: O que é que os agentes da polícia alegaram para deter os ativistas?
ABT: Até hoje, não conseguem alegar nada. No dia 21 de novembro, os ativistas enviaram uma carta ao governador, informando-o da marcha. No dia 2 de dezembro, quando já se iam colando os panfletos, alguns ativistas foram detidos e fomos convidados para uma reunião com o vice-governador. Realizou-se o encontro e estávamos convencidos de que não havia qualquer proibição. A própria lei diz que, quando se informa o governador, este dá um documento de recepção – e eles deram. No prazo de 24 horas, se pretenderem proibir, devem pronunciar-se sobre a sua decisão, fundamentando-a – o que não aconteceu. Ontem [sábado, 16 de dezembro], surpreendentemente, acontecem as detenções. Eu, pessoalmente, fui-me entregar, porque eu é que sou o coordenador da marcha. Disse ‘vim-me entregar e, se houver razões, entrego-me para que me prendam'. Disseram que não podiam e eu fui para casa. Houve muita movimentação, até dos boinas vermelhas, os comandos, da Polícia de Intervenção Rápida e da Polícia Nacional, que começaram a caça ao homem para deter os ativistas.
DW África: Os manifestantes continuam detidos?
ABT: Não, às 23 horas deste sábado libertaram alguns e outros saíram mais tarde. Alguns terão de se apresentar na esquadra esta segunda-feira (18.01), para responder. Quer dizer que isto continua.
DW África: Muitas pessoas esperavam que a repressão dos protestos e situações deste género terminariam com uma mudança de poder em Angola. Acha que o que aconteceu este sábado deita por terra estas expetativas de mudança que muitos viram na Presidência de João Lourenço?
ABT: Não há expetativa de mudança em Cabinda. Os problemas que existem em Cabinda não são os mesmos de outras províncias de Angola. Cá, até nos proíbem de nos manifestarmos, enquanto que Luanda e outras províncias continuam a manifestar-se. Há razões. E essas razões devem ser expostas para que toda a gente compreenda. O Governo angolano tem medo duma manifestação, por causa da situação política em Cabinda, que prevalece. Não se pode entender que um cidadão de Cabinda seja discriminado da cidadania. Quando somos detidos chamam-nos FLEC (Frente de Libertação do Estado de Cabinda), chamam-nos independentistas e só depois cabindas. Não temos identidade. Não deve haver mudanças, porque João Lourenço trabalhou com José Eduardo dos Santos e é cúmplice do subdesenvolvimento e da degradação social. Disse claramente que não podiam construir o porto em Cabinda porque dariam a independência à província. Para desenvolver Cabinda, para que os cabindas sintam a sua liberdade, deve-se resolver inequivocamente a problemática de Cabinda. O povo exige a sua autodeterminação.
DW África: Depois da manifestação frustrada deste sábado, há ações de protesto planeadas?
ABT: Sim. Esta segunda-feira, damos uma conferência de imprensa para explicar o que aconteceu no sábado e vamos demonstrar o nosso protesto ao Governo angolano. O Governo provincial não está organizado. Não escreveram o documento de proibição da marcha. Estas detenções são gratuitas, arbitrárias e violam os direitos fundamentais dos cidadãos de Cabinda.