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Dinastias políticas geram crises em África

Isaac Kaledzi
14 de janeiro de 2022

As dinastias políticas não são uma novidade em África, onde é comum que as famílias entreguem o poder aos seus descendentes. Analistas ouvidos pela DW lembram que esta prática é prejudicial para os países africanos.

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O Presidente queniano Uhuru Kenyatta é filho de Jomo Kenyatta, o fundador da naçãoFoto: Metin Aktas/Anadolu Agency/picture alliance

São vários os exemplos de dinastias políticas em África, incluindo a família Moi, os Kenyatta e os Odinga no Quénia, a família Déby no Chade, Bongo no Gabão ou Akufo-Addo no Gana, entre muitas outras.

Há relatos de que o Presidente Salva Kiir, do Sudão do Sul, está a preparar o seu filho, Thiik Mayardit, para o substituir nas eleições presidenciais do próximo ano.

Observadores alertam que esta prática, além de promover a continuidade dentro de uma única família, concentra o poder nas mãos de poucas pessoas.

As dinastias políticas são benéficas?

O analista político queniano Martin Adat disse à DW que a concentração do poder político numa só família durante anos dá-lhe uma enorme influência e gradualmente transforma o domínio político de um país num sistema monárquico.

Adat rejeita a utilidade das dinastias políticas, sob qualquer forma, em qualquer país. "Não é bom porque significa que se nega essa possibilidade às outras pessoas, que também teriam tido a oportunidade de estar no poder."

General chadiano Mahamat Idriss Déby
O general Mahamat Idriss Déby assumiu o comando do Chade quando o seu pai, Idriss Déby, foi morto em 2021Foto: Brahim Adji/Tchad Presidential Palace/AFP

No entanto, analistas como Alidu Seidu, do departamento de Ciências Políticas da Universidade do Gana, consideram que primeiro é preciso analisar as dinastias antes de determinar a sua utilidade ou não.

"Por vezes, os processos pelos quais estas pessoas são eleitas ou chegam ao poder, assim como o período entre as transições, podem ajudar a dizer se é algo bom ou mau", disse Alidu à DW. O académico também sublinha a importância da cultura e das qualidades de liderança das figuras em causa.

Embora as dinastias políticas existam em todo o mundo, Alidu diz que o cenário é bastante diferente em África devido à influência cultural, que incentiva os pais a expandir os seus reinos e a assegurar que os filhos assumam o controlo.

"Em África, é mais uma coisa cultural que se tem traduzido no nosso moderno sistema democrático de governação", afirma Alidu, acrescentando que é difícil separar os fundamentos culturais africanos das práticas democráticas no continente.

Falta de competitividade nas dinastias africanas

Muitas vezes, os líderes africanos escolhem os seus familiares sem qualquer processo de transição competitivo. O que, por sua vez, alimenta tensões políticas e caos que conduzem a perturbações.

Segundo Alidu, ao contrário de África, as dinastias políticas no Ocidente desenvolvem-se frequentemente num ambiente competitivo, dando prioridade à competência e não à mera linhagem familiar. "Noutras partes do mundo, a sucessão baseia-se num processo mais competitivo e aberto do que no contexto africano. Em África, as pessoas apenas preparam alguém - tu és meu filho, és alistado no Exército e rapidamente promovido a general e assumes o comando", exemplifica.

Frankreich Vizepräsident von Äquatorialguinea Teodorin Obiang in Paris wegen Korruption verurteilt
Teodoro Nguema Obiang Mangue, filho do Presidente da Guiné EquatorialFoto: AFP/J. Leroy

Para o analista Martin Adat, os líderes africanos não estão interessados em processos de sucessão abertos e competitivos devido aos seus interesses paroquiais.

"A maioria destas famílias acumulou muito dinheiro e muita influência política, por isso usam-na como alavanca, de modo a conseguirem obter mais poder", disse Adat.

De acordo com o especialista, esses líderes temem as repercussões de deixar o cargo e enfrentar as responsabilidades, pelo que farão tudo o que estiver ao seu alcance para se protegerem, prolongando a sua linhagem.

Alidu concorda e lembra que esses líderes "fizeram muitos investimentos e querem alguém que possa continuar esse processo particular que iniciaram ou alguém que possa proteger os interesses de investimento da família com esses recursos particulares".

Corrupção e má governação

Mas quando uma dinastia política prospera entre a falta de competitividade e a transparência, o mesmo acontece com a má governação e a má gestão económica.

Na maior parte dos casos, essas famílias saqueiam fundos estatais, empurrando os países que governam para crises económicas e tensões políticas. Como resultado, os cidadãos levam a cabo protestos e revoluções, como aconteceu, por exemplo, no Senegal e no Togo.

Gabuns Präsident Ali Bongo
O Presidente do Gabão, Ali Bongo, sucedeu ao pai em 2009Foto: Reuters/M. Hutchings

Alidu afirma que as dinastias políticas geram frequentemente má governação.

"A economia é mal gerida, os recursos naturais são pilhados, existe um elevado nível de corrupção e esses tipos de má governação têm um impacto coletivo na vida geral e na subsistência dos cidadãos".

Diz ainda que esses líderes evitam ser responsáveis perante o povo e comportam-se como semi-deuses. "Muitos líderes africanos ainda têm apetite pelo poder, apesar da emergência de princípios democráticos modernos", disse Adat.

"No Uganda, Museveni está a tentar educar o seu filho. Até Mugabe o tentou no Zimbabué, mas fracassou porque a mulher não era politicamente forte e, quando a tentou impor, os militares recusaram e expulsaram-no do poder", recorda.

Luta contra as dinastias políticas

Uma vez que não existem leis que proíbam as pessoas de sucederem aos seus familiares, Alidu acredita que só os cidadãos de um país podem parar este fenómeno.

"Se olharmos para as constituições de muitos países, normalmente começa com, "nós o povo". Isto porque o povo é a componente mais central de todos os processos de governação e as constituições estão preparadas para servir os interesses coletivos do povo. Por isso, os cidadãos devem empenhar-se numa resistência legítima", diz.

A oposição às dinastias políticas pode concretizar-se através de ações legais, de acordo com Alidu. Mas a ação mais eficaz é o protesto, uma vez que os líderes que desejam manter o poder muitas vezes comprometem os tribunais, defende.

Para Alidu, embora alguns países tenham dinastias que trazem desenvolvimento, em última análise excluem outros grupos de pessoas de provar o "bolo da governação", o que gera agitações.

E quando os cidadãos se fartam, ripostam. "É muito importante que mantenhamos a nossa democracia e as nossas tendências democráticas porque isso cria oportunidades iguais para que todos tenham uma vida melhor e para que a paz seja bem sucedida e sustentada", conclui Alidu.