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Dívidas ocultas: "Cabe ao Governo continuar negociações"

20 de outubro de 2021

Ativista moçambicana diz que o Estado deve provar que tudo fará para aliviar a dívida, após o Credit Suisse e BTV terem assumido culpas no processo. "Espero que o Governo use a oportunidade para se retratar dos erros".

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Das Logo der Schweizer Grossbank Credit Suisse und die Schweizer Flagge
Foto: picture-alliance/Keystone/S.Schmidt

O banco russo BTV e o Credit Suisse, acusados de terem participado no esquema das dívidas ocultas que lesaram o Estado moçambicano em cerca de 2 mil milhões de euros, acabam de assumir culpas no processo. Por via disso, estas entidades chegaram a um acordo para o pagamento de uma multa ao Governo norte-americano, na sequência de transferências fraudulentas que ocorreram na altura em que estes bancos financiaram os empréstimos canalizados para a ProÍndicus e Privinvest. 

À DW África, Fátima Mimbire, jornalista e ativista dos direitos humanos, considera este reconhecimento das duas entidades financeiras um passo importante para o esclarecimento material do esquema.

Segundo Mimbire, cabe agora às autoridades moçambicanas exigirem o cancelamento das dívidas soberanas que o país tem com estas duas entidades e também pedir uma indeminização pela má imagem que Moçambique teve na praça internacional por conta deste escândalo. 

Fatima Mimbire | mosambikanische Aktivistin
Fátima Mimbire, jornalista e ativista dos direitos humanos Foto: Privat

DW África: Como é que reage ao reconhecimento por parte do Credit Suisse e do BTV dos erros cometidos no âmbito dos empréstimos dados à ProÍndicus?

Fátima Mimbire (FM): Primeiro, quero regozijar-me em nome próprio e em nome das organizações da sociedade civil que muito trabalharam para que este resultado fosse possível. Em segundo lugar, o Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO) participou numa assembleia-geral do Credit Suisse, na qual pediu a responsabilização dos seus gestores pela forma como este processo foi conduzido. Vimos a Credit Suisse a assumir a sua responsabilidade e a comprometer-se a reduzir o valor da dívida em 200 milhões de dólares. É verdade que a nossa intenção era que houvesse o cancelamento da dívida, mas uma vez que os oficiais do Governo de Moçambique estiveram envolvidos na negociata, não há como haver o cancelamento total da dívida. Cabe ao Estado moçambicano, e ao Governo em particular, continuar as negociações para reduzir ao máximo esta dívida.

DW África: Como é que Moçambique pode tirar proveitos deste reconhecimento por parte das duas entidades? 

FM: Penso que é seguindo os processos a nível internacional. É preciso lembrar que há um processo de responsabilização que está a decorrer em Londres e que pode favorecer Moçambique no sentido de poder indemnizar ou de Moçambique se ver livre da dívida. Cabe ao Governo ser diligente e é aqui que vamos testar se, de facto, o Governo está a trabalhar no interesse dos moçambicanos e do Estado, pela forma como vai dar seguimento a estes espaços e a estas oportunidades que foram abertas pelo reconhecimento de que houve corrupção pela Credit Suisse em conluio com as instituições internacionais. É preciso lembrar que grande parte do valor que está a ser discutido hoje está com a PrivInvest. É preciso que o Estado moçambicano possa desencadear um processo contra a própria PrivInvest, visto que a PrivInvest vendeu gato por lebre.

Pressebild Privinvest
Barco da PrivInvestFoto: Privinvest

DW África: Terá o país moral para fazer quaisquer exigências tendo em conta que terá sido o mesmo Governo que, apesar dos alertas que havia sobre isso, inscreveu as dívidas no Orçamento do Estado e as legalizou?

FM: Há moral sim. Tudo nos conduz a isso. Espero que o Governo use essa oportunidade para se retratar dos vários erros que foi cometendo à volta deste processo e por causa do seu negacionismo.

DW África: Que impactos pode ter este acordo entre os EUA, o Credit Suisse e o BTV no processo que corre na África do Sul sobre a extradição de Manuel Chang para os EUA?

FM: De uma forma indireta não está a ser dito que Manuel Chang não é mais relevante para os EUA. Espero que Manuel Chang seja extraditado para Moçambique e que a Justiça possa efetivamente ser célere na instauração de um processo que se diz que já está instaurado. Espero que ele não regresse a Moçambique para ir sentar-se em sua casa. Manuel Chang é a figura-chave para nos dizer de forma muito clara quem lhe deu ordens para emitir esta garantia ilegal e qual foi o processo considerado. Aí teremos uma responsabilização completa.

Mosambik Maputo Gerichtsverfahren wegen versteckter Schulden
Julgamento da dívidas ocultas em MaputoFoto: Romeu da Silva/DW

DW África: Olhando pelos posicionamentos do Credit Suisse e do BTV, podemos considerar que está a ficar cada vez mais claro de que forma é que o esquema das dívidas ocultas foi engendrado?

FM: Exatamente, porque deita abaixo muitos argumentos de que o processo foi limpo e não houve aldrabices. Fica muito claro que houve aldrabices. O acordo entre os EUA, a Credit Suisse e o BTV não pode terminar entre os EUA e essas entidades. Tem de terminar com compensação a Moçambique, não só pelo perdão de uma parte da dívida, mas pelo efeito nefasto que este processo teve em Moçambique. O país ficou com o nome muito sujo ao nível internacional, já para não falar das externalidades negativas relacionadas com o corte da ajuda externa. O Orçamento do Estado ficou muito afetado na sua componente dos investimentos externos.

DW África: Moçambique pode recorrer à Justiça internacional para que seja ressarcido pelos danos morais e materiais deste escândalo?

FM: Existem mecanismos para que isso possa acontecer. A questão que se coloca é quem vai assumir a liderança deste processo. É preciso que se encontre uma forma que permita que esse dinheiro, ao ser canalizado para Moçambique, seja usado em estrito benefício dos moçambicanos. Mais uma vez, a sociedade civil é chamada a ser um ator central para ajudar neste processo.

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