Cinco coisas a saber sobre o processo contra Jean Boustani
3 de dezembro de 2019Esta foi a história de Robin dos Bosques, mas ao contrário, afirmou a 21 de novembro um dos procuradores dos EUA, resumindo o processo contra o libanês Jean Boustani. O Robin desta história seria Boustani, acusado de ser o arquiteto de um suposto esquema fraudulento envolvendo mais de dois mil milhões de dólares em empréstimos, garantidos pelo Governo moçambicano sem o conhecimento do Parlamento e dos parceiros internacionais.
Na história original, Robin dos Bosques roubava aos ricos para dar aos pobres, mas neste caso, segundo a acusação, Jean Boustani "roubou a uma das nações mais pobres do mundo" para dar aos ricos, ele próprio e os outros arguidos. Boustani teria pago dezenas de milhões de dólares em subornos a oficiais moçambicanos e banqueiros para assegurar três contratos e o seu financiamento.
De acordo com a acusação, os arguidos "tiraram proveito do sistema financeiro norte-americano, defraudaram os seus investidores e afetaram negativamente a economia moçambicana para encherem os seus próprios bolsos". Mas Boustani garantiu sempre que não defraudou ninguém, que nunca contactou sequer um investidor norte-americano e que tudo o que fez foi para o bem de Moçambique.
Na segunda-feira (02.12), Jean Boustani foi considerado inocente pelos 12 membros do júri num tribunal federal de Nova Iorque, que não conseguiram "perceber como é que este caso era relevante nos EUA". Segundo o Centro de Integridade Pública (CIP) de Moçambique, que acompanhou o processo, a decisão não é passível de recurso e Boustani será libertado. À saída da sala do julgamento, o negociador da Privinvest levantou o punho em sinal de vitória, escreveu a agência Lusa.
1. Quem foi acusado?
Ao todo, oito pessoas foram acusadas pelos EUA de envolvimento num esquema de fraude e lavagem de dinheiro, que teria prejudicado, entre outros, investidores norte-americanos.
O principal arguido no caso era Jean Boustani, o alegado arquiteto do esquema e negociador da Privinvest, uma empresa de construção naval que assinou contratos com três empresas estatais moçambicanas, a ProIndicus, a EMATUM e a MAM, para o fornecimento de serviços e equipamentos, incluindo 24 navios de pesca e seis navios-patrulha, no caso da EMATUM.
Segundo o despacho da acusação norte-americana, divulgado a 19 de dezembro de 2018, só parte do dinheiro dos empréstimos pedidos teria sido aplicada em projetos marítimos. Outra parte teria sido usada para o pagamento de subornos. Após "pouca ou nenhuma atividade comercial", as três empresas deixaram de poder pagar os empréstimos e o Estado moçambicano assumiu as dívidas, por ser o garante.
Najib Allam, diretor financeiro da Privinvest, também foi acusado.
Três ex-banqueiros do banco Credit Suisse, que em conjunto com o banco russo VTB concedeu os empréstimos às empresas estatais moçambicanas, foram igualmente constituídos arguidos: Andrew Pearse, Detelina Subeva e Surjan Singh. Durante o julgamento nos EUA, os três deram-se como culpados de envolvimento no esquema.
A acusação norte-americana nomeou ainda três "oficiais" moçambicanos como arguidos: Manuel Chang, antigo ministro das Finanças, António do Rosário, do Serviço de Informação e Segurança do Estado (SISE) e administrador das três empresas estatais, e Teófilo Nhangumele, que agiria em nome do Gabinete da Presidência da República. Nenhum dos três esteve presente no julgamento nos EUA. Em fevereiro de 2019, Rosário e Nhangumele foram detidos em Moçambique no âmbito de um processo no país sobre as "dívidas ocultas". Chang continua detido na África do Sul à espera de uma decisão sobre se será extraditado para os EUA ou para Moçambique.
Durante o julgamento dos EUA foram ainda citados como "co-conspiradores" o atual ministro moçambicano das Finanças, Adriano Maleiane, a ex-vice-ministra das Finanças, Isaltina Lucas, e Ndambi Guebuza, filho do antigo Presidente Armando Guebuza. Mas os três não foram acusados formalmente.
2. Do que tratou o processo nos EUA?
Os procuradores alegaram, durante o julgamento, que não só o povo moçambicano, como também investidores norte-americanos foram prejudicados com os negócios "criminosos" da Privinvest em Moçambique.
Os oito arguidos foram acusados de lavagem de dinheiro, conspiração para fraude eletrónica e fraude envolvendo títulos financeiros. Isto porque, quando as empresas moçambicanas entraram em incumprimento, as dívidas foram vendidas a investidores internacionais, incluindo norte-americanos. Os três ex-banqueiros do Credit Suisse foram ainda acusados de conspiração para violar a lei anticorrupção norte-americana, por alegadamente facilitarem o pagamento de subornos a oficiais moçambicanos.
3. Quanto dinheiro em subornos?
Segundo a acusação, os arguidos teriam sido responsáveis pelo desvio de cerca de 200 milhões de dólares para o pagamento de subornos.
A Privinvest teria pago 150 milhões de dólares a Chang e outros oficiais moçambicanos e cerca de 50 milhões de dólares aos três ex-banqueiros do Credit Suisse. Durante o julgamento, os procuradores apresentaram várias tabelas e gráficos que provariam alegadamente o pagamento de subornos. A tabela em anexo, por exemplo, foi intercetada pelas autoridades norte-americanas na conta pessoal de e-mail do arguido Najib Allam, o diretor financeiro da Privinvest, e, de acordo com a acusação, detalharia "meticulosamente subornos e propinas".
Segundo o despacho de acusação de dezembro de 2018, Manuel Chang teria recebido da Privinvest pelo menos 5 milhões de dólares em subornos. António do Rosário teria recebido pelo menos 12 milhões e Teófilo Nhangumele pelo menos 8,5 milhões. Jean Boustani teria obtido "cerca de 15 milhões de dólares em receitas do esquema fraudulento da Privinvest" - dinheiro transferido eletronicamente e que, em parte, teria passado por uma conta bancária em Nova Iorque.
4. Como começou tudo?
O caso remonta a 2011. Foi nesse ano que, segundo a acusação norte-americana, o negociador da Privinvest, Jean Boustani, começou a tentar persuadir oficiais do Governo moçambicano a assinar um contrato com a empresa para criar um sistema de monitorização da zona costeira. Citado pela imprensa, um funcionário da Privinvest, o alemão Peter Martin Kuhn, explicou durante o julgamento que "a pirataria era um grande problema" em Moçambique.
Nesse ano, em vários e-mails entre Boustani e Nhangumele, teria sido abordada a necessidade de pagar "compensações" ou "taxas de êxito" ("success fees"). Numa das mensagens intercetadas, citada no despacho da acusação, Nhangumele terá argumentado que, primeiro que tudo, seria preciso "massajar o sistema" para obter "luz verde" para o projeto, prevendo-se o pagamento de uma compensação após a assinatura do contrato.
A 28 de dezembro de 2011, Nhangumele teria avançado um número: "Obrigado irmão. Consultei e, por favor, põe 50 milhões de galinhas". A Privinvest terá consentido. A 18 de janeiro de 2013, a empresa de construção naval e a ProIndicus assinaram um contrato para criar o sistema de monitorização.
Durante o julgamento nos EUA, Jean Boustani assegurou que nunca pagou comissões em troca da assinatura de contratos. O negociador da Privinvest disse que falou com Armando Guebuza sobre o pagamento dos 50 milhões de dólares, e que o ex-Presidente terá respondido que, nem ele, nem nenhum membro do Governo estava "autorizado a pedir um tostão" para avançar com um projeto, citou Boustani.
Mas esse dinheiro e muito mais acabou por ser pago a vários oficiais moçambicanos, argumentou a Procuradoria norte-americana. O ex-ministro das Finanças teria sido um deles: Manuel Chang teria dado "luz verde" aos empréstimos sem notificar o Parlamento e os parceiros internacionais.
5. O que disse a defesa de Boustani?
A defesa de Jean Boustani argumentou que o negociador não quebrou quaisquer leis norte-americanas, nem defraudou investidores. "Moçambique obteve tudo aquilo que a Prinvivest prometeu. Que fraude tem estes contornos?", questionou o advogado de defesa Randall Jackson, citado pela Bloomberg.
"Jean nunca se encontrou, relacionou, falou ou mentiu a qualquer investidor", acrescentou Jackson. A defesa referiu ainda que Boustani nunca esteve sequer nos EUA, pelo que o caso nem deveria ter sido tratado num tribunal norte-americano.
Esta segunda-feira (02.12), o júri norte-americano ilibou Boustani de todas as acusações que pesavam sobre ele.
Em tribunal, Boustani nunca negou ter pago a oficiais moçambicanos, dizendo que as transferências feitas pela Privinvest se destinavam a "diferentes atividades, investimentos, construção de relações, o 'lobbying', a influência, tudo o que queríamos construir para o grande futuro de Moçambique".
Segundo o negociador libanês, os projetos ainda têm pernas para andar - o Governo atual é que os tem sabotado, afirmou Boustani durante o julgamento.
Artigo atualizado às 13:49 de 3 de dezembro de 2019.