Eduardo Mondlane é marca registada da FRELIMO?
2 de setembro de 2024Um comunicado atribuído à família de Eduardo Mondlane, e partilhado por altos dirigentes do partido no poder em Moçambique, "constata com bastante preocupação que, na fase de pré-campanha, [...] alguns cidadãos de má-fé [...] têm vindo a fazer uso indevido do nome de Eduardo Chivambo Mondlane dentro e fora do país".
No contexto, os familiares distanciam-se e repudiam o gesto e reiteram o seu apoio à Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) e ao candidato presidencial Daniel Chapo.
O pronunciamento surge pouco depois de Venâncio Mondlane, candidato independente às presidenciais de outubro, ter feito referência ao histórico e seu "xará" durante um discurso de campanha na província da Zambézia.
Para o jurista Custódio Duma, independentemente da veracidade ou não do comunicado, o debate sobre o tema é relevante por questões legais e de identidade. "Esse nome deixou de ser propriedade do partido FRELIMO ou de outro partido desde que alcançámos a independência", refere Duma em entrevista à DW África.
DW África: O partido no poder e os seus familiares terão receio de ver os valores de Eduardo Mondlane tornarem-se mais visíveis ou reavivados na boca da concorrência?
Custódio Duma (CD): O facto de existir uma coincidência no nome - e nós podemos exaltar um determinado nome - não significa necessariamente que se deve fazer o uso e aproveitamento dos seus xarás.
Eu penso que, para os casos em que, de alguma forma, se demonstre diretamente e com clareza que Venâncio Mondlane se está a aproveitar da figura de Eduardo Mondlane – não necessariamente do nome, porque o nome também é da família dele – será importante olhar para aspetos de [possível] aproveitamento comercial, direitos autorais ou [questões] que manchem o seu legado.
Nesse caso, poderia dizer-se por exemplo que, não estando Venâncio Mondlane dentro do partido FRELIMO, usar a imagem poderia ser uma situação de conflito de interesses ou de colisão de direitos, porque obviamente a FRELIMO também vai usar o nome. [Mas] penso também que esta é uma questão mesmo de compreensão das partes, porque esta figura é de todos nós.
DW África: Eduardo Mondlane é apelidado pela FRELIMO como o "arquiteto da unidade nacional" e esta figura é tida como uma referência em Moçambique. Em termos de ideais, haveria algum impedimento para outros partidos ou setores seguirem os seus valores?
CD: Para mim, o mais importante é ter Eduardo Mondlane e outros heróis nacionais como figuras que representam a nossa identidade, a nossa história, enquanto moçambicanos.
Eu penso que todos os moçambicanos, independentemente da cor partidária, religiosa ou outros interesses podem fazer o uso legal do nome dessas imagens para representar os nossos interesses, se não for para fins comerciais ou que possam lesar matérias ligadas a direitos autorais. Essas figuras são heróis nacionais e grupos de estudantes, religiosos ou ativistas de direitos humanos podem invocar esses ideais e o legado.
Nós temos legislação específica sobre essas figuras que são símbolos e podem ser exaltadas nos nossos poemas, nos nossos ideais, na nossa luta enquanto defensores das causas públicas para todos os moçambicanos.
DW África: A imagem de Eduardo Mondlane está umbilicalmente ligada ao partido libertador, a FRELIMO. Vê esta imagem enquanto pensador e combatente nacional como uma marca registada ou propriedade da FRELIMO?
CD: Não necessariamente. Esse nome deixou de ser propriedade do partido FRELIMO ou de outro partido desde que alcançámos a independência e tudo mais. Não vejo aqui uma situação que possa remeter a uma marca proprietária, nem da família nuclear nem do partido. Se quisermos falar em uso exclusivo, naquilo que o direito não proíbe, penso que estaríamos a exagerar um pouco.
DW África: Sendo o pensador Eduardo Mondlane um símbolo nacional, a FRELIMO e os seus familiares teriam, sob o ponto de vista legal, o direito de exigir "copyright" para a sua imagem?
CD: Apenas para algumas exceções – não, por exemplo, para podermos incluir nos textos poéticos e nas nossas canções de defensores dos mesmos ideais ou mencionar num comício público.