Egito: Eleições com "cartas marcadas" para o Governo
30 de janeiro de 2018Mussa Mustapha Mussa apresentou a sua candidatura à última hora, na segunda-feira (29.01), para concorrer junto com o Presidente cessante Abdel Fattah al-Sissi no escrutínio que vai decorrer entre 26 e 28 de março.
Até ao encerramento das candidaturas, acreditava-se que al-Sissi iria concorrer sozinho, depois de uma série de desistências e candidatos afastados da corrida eleitoral. Várias figuras proeminentes da oposição apelam a um boicote às presidenciais, condenando a onda de repressão que terá ditado o afastamento dos candidatos da oposição.
O último a retirar-se do caminho para as presidenciais foi o al-Wafd. No sábado (27.01), depois de anunciar o apoio a Abdel Fattah al-Sissi, o mais antigo partido liberal egípcio recusou deixar o seu líder candidatar-se às eleições. Mas nem todos os potenciais candidatos abandonaram a corrida de livre vontade.
"Exército quer eliminar adversários do regime"
Na semana passada, o antigo chefe do Estado-Maior do Exército, Sami Annan, considerado o maior rival do Presidente cessante, foi impedido de se candidatar. Foi detido no âmbito de uma investigação por falsificação de documentos e violação das normas militares – que proíbem oficiais no ativo de concorrerem a eleições.
Annan era visto por muitos como o candidato da Irmandade Muçulmana, depois de ter recebido o apoio da organização considerada terrorista pelo atual Governo. Foi alvo de várias acusações e difamação ainda antes de ser detido. Um conhecido apresentador de televisão acusou Annan de "hostilidade para com o Exército egípcio".
Para Stephan Roll, especialista no Egito da Fundação de Ciência e Política de Berlim, o afastamento de Sami Annan "mostra que o Exército quer eliminar os adversários a todo o custo – especialmente aqueles que vêm das próprias Forças Armadas". Segundo Roll, trata-se de "um sinal aos oficiais: não devem, de todo, tornar-se politicamente ativos".
Nas últimas semanas, três outros potenciais candidatos retiraram as suas candidaturas. O advogado da oposição Khaled Ali, que se destacou por travar uma batalha judicial contra Abdel Fattah al-Sisi, desistiu da corrida acusando as autoridades de perseguição e a Comissão Eleitoral de parcialidade.
Também o antigo primeiro-ministro Ahmed Shafiq – tido como um forte opositor a al-Sissi – desistiu da corrida na semana passada, alegando que, após vários anos no exílio, perdeu a ligação com a realidade egípcia e não seria a pessoa "ideal" para liderar o país neste momento. Antes, tinha sido "persuadido" por membros do Governo a abandonar as ambições presidenciais sob ameaça de um processo legal visando a alegada corrupção durante o período em que foi ministro da Aviação Civil. Nos meios de comunicação pró-Governo, Shafiq foi alvo de várias acusações.
Também o antigo deputado Mohammed Anwar Sadat retirou a sua candidatura, temendo que os seus apoiantes fossem detidos ou intimidados pelas autoridades.
"Egípcios não estão satisfeitos"
O afastamento dos potenciais rivais de al-Sissi e as denúncias de repressão coincidem com o sétimo aniversário do início dos protestos que levaram à queda do Presidente Hosni Mubarak. Sete anos depois, os ativistas dizem que não sobra muito do otimismo dos dias da revolução.
"É um Estado policial extremamente repressivo. Nesse sentido, vai muito além do que acontecia no regime de Mubarak, até 2011", diz Stephen Roll. Segundo o especialista, "o Estado policial está a tentar assegurar um círculo apertado em torno do Presidente al-Sissi".
Ainda de acordo com Stephen Roll, a popularidade do Presidente caiu nos últimos anos, "mas em 2013 houve uma certa euforia, uma esperança de que ele poderia resolver os problemas do país". Entretanto, "muitos egípcios estão provavelmente desiludidos, porque a situação económica da grande maioria piorou substancialmente".
Também a situação dos direitos humanos se deteriorou, segundo a Amnistia Internacional. No seu relatório anual, a organização fala de detenções arbitrárias em massa. Jornalistas, ativistas e manifestantes são os alvos mais frequentes. As forças de segurança são acusadas de torturar detidos e atacar manifestantes. Ao mesmo tempo, nos tribunais civis e militares, correm processos duvidosos e violações dos direitos humanos que não são investigadas. Pelo menos 112 pessoas foram condenadas à pena de morte e executadas em 2017.
Os egípcios, segundo o analista Stephen Roll, não estão satisfeitos e o Governo tem medo que isto possa refletir-se nas urnas. "Há claramente um descontentamento entre a população. Isto explica porque é que o regime está a tentar evitar eleições livres e justas e a eliminar potenciais adversários".
"Por outro lado", pondera o especialista, "muitos egípcios estão fartos" devido à enorme pressão económica. "Depois da desvalorização da moeda em 2016, os preços subiram muito. A luta diária pela sobrevivência pode pôr fim ao ativismo político", avalia Stephen Roll.