Eleições na Costa do Marfim: Gbagbo alerta para "catástrofe"
30 de outubro de 2020Cerca de 7,5 milhões de costa-marfinenses são chamados às urnas este sábado (31.10) para eleger o Presidente. O sentimento no país é de medo e receio de que se possa repetir o cenário de violência pós-eleitoral que em 2010 provocou a morte de três mil pessoas.
Nas últimas semanas, o país tem assistido a um escalar de violência, que se intensificou depois dos dois principais candidatos da oposição, o ex-presidente Henri Konan Bédié e o antigo primeiro-ministro Pascal Affi N'Guessan, terem apelado à "desobediência civil" e ao boicote do processo eleitoral em protesto contra candidatura a um terceiro mandato do chefe de Estado Alassane Ouattara, de 78 anos, do partido Reagrupamento dos Republicanos (RDR).
O comboio do secretário-Geral da Presidência da Costa do Marfim, Patrick Achi, um dos gestores de campanha do RDR, foi metralhado na quinta-feira (29.10) à noite perto de Agbaou (150 quilómetros a norte de Abidjan). Não houve feridos.
Nos últimos três meses, a violência e os confrontos intercomunitários deixaram cerca de 30 mortos. Muitos moradores da capital temem o agravamento da crise e, segundo agência de notícias AFP, abandonam a cidade.
Quebra de silêncio
O ex-Presidente Laurent Gbagbo, de 75 anos, do partido Frente Popular Marfinense (FPI), resolveu quebrar o silêncio na véspera das eleições presidenciais para apelar ao diálogo, uma vez que muitos marfinenses temem nova violência em torno das sondagens.
Gbagbo não falava publicamente desde a sua detenção em abril de 2011, na sequência da crise política que o envolveu. "O que nos espera é um desastre. É por isso que estou a falar. Para que se saiba que não estou de acordo em ir de mãos e pés à catástrofe. Precisamos falar", disse Gbagbo à TV5 Monde na Bélgica.
À semelhança de outras 43 candidaturas apresentadas, o líder político da FPI teve a sua candidatura rejeitada pela justiça costa-marfinense. Gbagbo aguarda em Bruxelas um possível recurso para o Tribunal Penal Internacional (TPI) após a sua absolvição em primeira instância de crimes contra a humanidade.
"Discutir! Negociar! Ainda há tempo para o fazer (...). Estou resolutamente do lado da oposição. Eu digo, dada a minha experiência, que temos de negociar", insistiu.
Gbagbo reiterou o seu apoio à oposição. "Um dos problemas políticos em África é que escrevemos textos sem acreditar neles. Escrevemos na Constituição que o número de mandatos é limitado a dois, por que queremos um terceiro mandato? Temos de respeitar o que escrevemos, o que dizemos [...]. Se escrevermos uma coisa e fizermos outra, vemos o que acontece", disse.
Apelo ao voto
Esta quinta-feira (30.10), no último dia da campanha eleitoral, o chefe de Estado Alassane Ouattara apelou ao voto. "Peço-vos que vão votar no sábado, ninguém deve ficar em casa, têm de ir votar e têm de proteger as mesas de voto contra aqueles que querem criar problemas", disse o Presidente.
Outtara defendeu que a Costa do Marfim quer paz e que o povo não aceita desordens. "Aqueles que querem votar têm de votar, e vocês todos vão votar, não vão? Eu conto convosco, obrigado", completou.
Na Costa do Marfim, três quartos da população tem menos de 35 anos, o que intensifica o fosso geracional entre o eleitorado e os líderes políticos.
Brice Oueza é um ativista da sociedade civil do país. À DW explica que os jovens estão tão desiludidos com o passado político costa-marfinense que não pensam em votar. Nos útlimos meses a sua tarefa tem sido contrariar esta atitude pois, segundo Brice, é nas urnas que a população, e em particular os jovens, pode mostrar a sua força.
"Vocês dizem a vocês próprios que, quer votem ou não, as coisas não vão mudar. Mas têm de ter esperança. Mesmo que hoje tenhamos a sensação de que as coisas não estão a seguir o nosso caminho, precisamos sempre de ter esperança, lutar, lutar e lutar para melhorar as coisas", explica a uma plateia de jovens.
Eleito em 2010, o Presidente Ouattara tinha prometido entregar o poder à "nova geração" na pessoa de Amadou Gon Coulibaly, que era o candidato do partido no poder às eleições deste sábado. No entanto, o também ex-primeiro-ministro morreu subitamente em agosto, fazendo o chefe de Estado mudar de ideias.