Elite angolana "não tem interesse" em refinar petróleo
22 de julho de 2016Em 2015, Angola adquiriu quase 161 milhões de euros em combustíveis. Apesar de o país ser atualmente o maior produtor de petróleo na África subsaariana, tem de comprar a maior parte do gasóleo e gasolina que consome no exterior. Segundo a Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP), Angola precisou, no ano passado, de quase 152.000 barris de produtos refinados por dia, mas a única refinaria do país, em Luanda, não conseguiu sequer refinar metade desse valor.
"As pessoas que ganham com a importação do petróleo e com os subsídios ao petróleo não têm interesse" em construir mais refinarias, diz Rui Verde em entrevista à DW África. O investigador escreveu um artigo no portal Maka Angola em que denuncia os vários travões à refinação no país: "O que se está a fazer aqui é uma espécie de exploração pós-colonial", alerta.
DW África: Por que tem Angola de importar uma quantidade tão grande de combustíveis?
Rui Verde (RV): A razão é muito simples. É porque só tem uma refinaria, que data de 1955 e apenas assegura 20% do consumo doméstico.
DW África: Há interesse em não construir mais refinarias?
RV: Há economistas que defendem que Angola não tem capacidade para construir e manter refinarias a baixo custo. [Sustentam que] as refinarias são um mau negócio, mas eu creio que não. Os exemplos da Galp portuguesa ou da Arábia Saudita demonstram que as refinarias podem ser um excelente negócio. O que tem havido é um desleixo ou uma política para não construir refinarias.
DW África: E essa política parte do Governo com algum interesse?
RV: Essa política parte do Governo forçosamente, porque é ele que tem capacidade para deixar construir refinarias. O que parece é que os intermediários não têm interesse – as pessoas que ganham com a importação do petróleo e com os subsídios ao petróleo não têm interesse nenhum em que passe a haver petróleo a ser refinado em Angola.
DW África: Quem são essas pessoas?
RV: Ao nível angolano, quem lidera a empresa [que fornece os derivados de petróleo refinado] é o general "Dino", que faz parte da Casa Civil do Presidente da República. Portanto, dá ideia que é o próprio Palácio Presidencial que ganha muito dinheiro, quer com a intermediação da importação, quer com os subsídios à gasolina e ao gasóleo.
DW África: No fundo, ganhariam duas vezes.
RV: Estão a ganhar duas vezes. É um negócio fantástico, além de terem isenção de impostos.
DW África: Como funciona o esquema?
RV: O esquema é muito simples. Angola exporta o petróleo bruto para refinarias internacionais. Depois, o petróleo é refinado e a empresa DTS Holding, detida em metade pelo general "Dino" e seus associados do Palácio, fornece Angola com os produtos já refinados. Por esse fornecimento recebe um subsídio de 12,5 dólares por barril, o que é muito acima da média internacional. Por exemplo, a Galp portuguesa tem uma margem de lucro de 7,3 dólares por barril. No fundo, o que se está a fazer aqui é uma espécie de exploração pós-colonial: Tira-se a matéria-prima a Angola e depois vende-se a Angola mais cara, sendo refinada noutros países, ganhando sobretudo os intermediários.
DW África: É possível calcular quanto dinheiro Angola está a perder com este esquema?
RV: Pelo menos, cinco dólares por barril. É preciso, depois, multiplicar pela produção de barril e vê-se os vários milhares de milhões que se perde por ano. É evidente que era necessário um investimento grande em refinarias novas, mas Angola teve dinheiro para fazer esses investimentos.
DW África: E acha que vai haver dinheiro para investir em refinarias em 2017 e 2018, como prevê o Governo?
RV: Neste momento tenho muitas dúvidas. Atualmente, a solução é cortar os subsídios e, no fundo, por causa desta política, vamos ter um aumento dos combustíveis. Quem vai pagar no fim é o povo.