EMATUM empurrou Moçambique para "armadilha de dívidas"
10 de março de 2016A queda dos preços das matérias-primas e o aumento da dívida pública contribuíram para aumentar as taxas de juros que Moçambique tem de pagar pela nova dívida. Inicialmente os juros eram de 6%. Porém, até fevereiro último subiram para 13,5%, no mercado secundário de acordo com a agência Bloomberg.
Sem a degradação da taxa de juro, o pagamento já era uma "ginástica" para o Governo moçambicano, uma vez que o orçamento é deficitário. Por isso, numa altura em que a economia está em baixo, com a forte desvalorização do metical e a queda dos preços das matérias-primas, das quais a economia depende muito, o peso da dívida no Orçamento de Estado "aumenta significativamente" e isso em várias implicações, afirma o economista Nuno Castel-Branco.
Uma delas é "a redução da capacidade do Estado de prosseguir com políticas económicas mais amplas", porque "esse dinheiro tem de vir de algum lado", explica. O especialista prevê cortes na educação na saúde, no desporto, na proteção social, na infraestrutura social, para que haja dinheiro disponível para a EMATUM. "A EMATUM não está a produzir e os barcos estão enferrujados", lembra ainda.
Dívidas para pagar dívidas
A segunda implicação é que o Estado tem de recorrer a mais endividamento público para fazer face à situação, acrescenta o economista. É um endividamento comercial, o que significa que é caro, tanto os juros são altos, como os períodos de pagamento são curtos. Isso está a transformar-se numa espiral com contornos preocupantes.
"Estamos a começar a entrar em armadilhas de dívidas", alerta Castel-Branco. "Estamos a contrair dívida para pagar dívida, passamos essa dívida um bocadinho mais para o futuro, provavelmente com juros mais altos, para pagar a dívida corrente."
A terceira consequência é a cotação negativa de Moçambique no mercado financeiro internacional, finaliza o especialista, lembrando que a dívida pública cresceu meteoricamente nos últimos dez anos. Nuno Castel-Branco alerta que o país está a fazer grandes investimentos em infraestruturas para grandes recursos minerais, como o gás por exemplo, que vão hipoteticamente começar a render só daqui a 10 ou 15 anos.
Oposição exige explicações
O descontentamento relativamente a este negócio, considerado duvidoso e mal pensado, aumenta a cada dia e já levou a oposição a pedir satisfações. Em junho de 2015, o Movimento Democrático de Moçambique (MDM), a segunda maior força da oposição, propôs no Parlamento a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para investigar a EMATUM, mas esta foi chumbada pela Frente de Libertação de Mocambique (FRELIMO), partido no poder e com maioria no Parlamento.
O MDM decidiu então usar uma prorrogativa regimental do Parlamento. Enviou um ofício à EMATUM, em junho do ano passado, e este ano voltou a fazê-lo, a pedir mais informação, documentação sobre a empresa e estudos de viabilidade. "A EMATUM simplesmente recusou-se a conceder os documentos exigidos", contou à DW África o deputado Fernando Bismark. "A alegação para nos negarem esse direito é que é uma empresa de direito privado. Mas há fundos do Estado", lembra o parlamentar do MDM.
A recusa representa uma violação o regimento do Parlamento, já que os deputados têm a prorrogativa de fiscalizar instituições com participação financeira do Estado. É o caso da EMATUM, que é participada pela SISE, a polícia secreta moçambicana, e pelo Instituto de Gestão das Participações do Estado (IGEPE). Por isso, o MDM já está a efetuar diligências junto da Procuradoria-Geral da República.
Prestação de contas
Paralelamente, aumenta a pressão da sociedade civil aumenta. O Centro de Integridade Pública (CIP) exige prestação de contas por parte do Executivo, em nome da transparência.
"Há necessidade de o Governo ser transparente e de fazer uma apresentação detalhada sobre quais foram os tramites legais para a certificação esse empréstimo", afirma Celeste Banze.
A colaboradora da ONG moçambicana defende também que a dívida e a proposta de reestruturação da dívida sejam tornadas públicas.
O valor total da dívida são 850 milhões de dólares contraídos em 2013, dos quais já foram pagos 105 milhões de dólares, na primeira tranche, em setembro de 2015. Cerca de 77 milhões eram relativos à dívida em si, mais cerca de 27 milhões de juros. Para esta sexta-feira (11.03) está previsto o pagamento da segunda tranche da dívida aos seus credores e respetivas taxas de juro. Os valores não são ainda conhecidos.