Envio de tropas para o Níger "peca por ser tardio"
11 de agosto de 2023A Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) decidiu enviar uma força militarpara restabelecer a ordem constitucional no Níger, após o golpe de Estado de 26 de julho, mas para muitos nigerinos a medida está a soar como uma agressão.
É o que diz o ativista Ibrahim Bana: "Temos de chamar a esta intervenção o que ela é: uma agressão contra o nosso povo. Nenhum texto da CEDEAO autoriza os chefes de Estado a decidir o envio de tropas para um país membro, seja por que motivo for", diz.
Também Gamatche Moumouni, outro ativista nigerino afirma que o que os povos esperam da CEDEAO é "ataque as causas dos golpes de Estado e não as suas consequências".
Medida tardia
Ouvido pela DW, Eugénio Costa Almeida, investigador do Centro de Estudos Internacionais do ISCTE, em Lisboa, diz que esta é uma medida que "peca por tardía”.
Para o investigador, "a partir do momento em que a CEDEAO colocou o ultimato, que terminou no domingo passado e já vamos quase uma semana depois para que fosse reposta a legalidade constitucional e o Presidente Mohamed Bazoum novamente no poder e nada fez, perdeu um pouco da credibilidade".
A CEDEAO, que conta com o apoio da União Africana e dos Estados Unidos, diz ainda acreditar numa solução pacífica. A comunidade internacional, no geral, ainda tenta a via diplomática. Mas haverá espaço para o diálogo?
Eugénio Costa Almeida acha difícil e explica as razões:
"A partir do momento em que se sabe que tem havido sucessivos golpes de Estado, em que, direta ou indiretamente, há forças do grupo Wagner a intervir a partir do que é uma cintura à volta das principais potências da CEDEAO, o que é o caso da Nigéria e do Senegal a oeste, e que há outros países que começam a sentir algum efeito e temem, é lógico que a conciliação política parece ser um bocado difícil".
Em comunicado, divulgado esta sexta-feira, o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo disse "acreditar que uma solução militar para a crise no Níger poderia levar a um conflito prolongado no país e a uma forte desestabilização da situação na região do Sahel".
A junta militar do Níger mantém detidos desde o dia 26 de julho o Presidente deposto Mohamed Bazoum e vários membros do Governo. As condições onde estes se encontram têm causado preocupação.
Bazoum sem água e luz
Entretanto, a filha do Presidente deposto denunciou, esta sexta-feira, as más condições de detenção do pai, Mohamed Bazoum, da mãe e do irmão, referindo que os detidos já perderam entre cinco e 10 quilos.
Em declarações ao jornal britânico Guardian, Zazia Bazoum, que se encontra atualmente em França, conta que os ses familiares "não têm carne fresca nem legumes, mas têm arroz e massa e agora é só isso que comem, o que não é bom para a saúde (...) Não têm água limpa para beber e o gás para cozinhar também vai acabar em breve".
Também em declarações, esta sexta-feira, o alto comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, disse-se "extremamente preocupado" com as condições em que estão detidos Mohamed Bazoum e família, e que indiciam, disse, violação dos direitos humanos.
Türk acrescentou ainda ter informações de que o Presidente e a sua família não têm acesso a eletricidade, água potável ou medicamentos.
"Os responsáveis pela detenção do Presidente e dos outros detidos devem garantir que os seus direitos humanos são plenamente respeitados e protegidos", acrescentou.
Também a Human Rights Watch (HRW) acusa a junta militar de "um tratamento abusivo" para com os detidos, alertando que é seu dever garantir o bem-estar dos detidos "arbitrariamente".
Estas declarações surgem depois do partido político de Bazoum, o Partido Nigeriano para a Democracia e o Socialismo (PNDS), ter denunciado as condições "desumanas" em que se encontram o detido e a sua família.
CEDEAO reúne-se no Gana
Os chefes de Estado-Maior da CEDEAO anunciaram, esta sexta-feira, que se vão reunir-se este sábado no Gana, para debater quais os próximos passos.
Após a reunião, os chefes de Estado-Maior informarão os líderes da CEDEAO sobre "as melhores opções" para a sua decisão de ativar e destacar a "força de reserva", segundo fontes militares regionais.
A CEDEAO, que continua a tentar encontrar uma solução pacífica para a crise, não especificou qualquer calendário, nem o número ou a origem das tropas que compõem a sua "força de reserva".
O Presidente da Costa do Marfim, Alassane Ouattara, prometeu na quinta-feira enviar entre 850 e 1.100 soldados para contribuir para a força, que, segundo ele, poderá intervir "o mais rapidamente possível".
Cabo Verde - um dos dois países lusófonos, a par da Guiné-Bissau, que integram a CEDEAO - já se manifestou contra a decisão: o Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, afirmou que não apoia qualquer intervenção militar no Níger e garantiu que "dificilmente" o país vai integrar uma força dessa natureza no âmbito da organização da África Ocidental.