"Estado angolano parece disposto a tudo"
20 de outubro de 2015A organização de defesa dos direitos humanos divulgou, esta terça-feira (20.10), um comunicado em que diz que a "detenção do prisioneiro de consciência, Luaty Beirão, é um exemplo chocante do que as autoridades angolanas estão dispostas a fazer para suprimir a dissidência".
O Estado angolano acusa Luaty Beirão e outros 16 ativistas de prepararem uma rebelião e um atentado contra o Presidente José Eduardo dos Santos. Os ativistas negam e pedem para aguardar julgamento em liberdade, pois foi ultrapassado o limite de 90 dias de prisão preventiva.
A Amnistia Internacional (AI) já recolheu mais de 35 mil assinaturas numa petição pela libertação de Luaty Beirão e dos outros ativistas angolanos.
A DW África entrevistou Teresa Pina, diretora executiva da secção portuguesa da AI.
DW África: Acredita que o pedido da Amnistia Internacional será ouvido?
Teresa Pina (TP): Continuaremos a insistir nesse pedido porque é aquilo em que acreditamos. Até que ponto é que um Estado expõe os seus próprios cidadãos deixando-os no fundo correr perigo de vida, neste caso o Luaty Beirão, a troco exatamente de quê, para reprimir vozes dissidentes, para punir opiniões, para impedir manifestações e reuniões não violentas de pessoas? Olhando para os factos que suscitaram desde logo as detenções, aliás arbitrárias, percebe-se que vem na linha de um longo historial em Angola, agravado ao longo dos últimos meses, de punição da dissidência quando isso não é admissível num Estado de direito e muito menos num Estado cuja própria Constituição prevê estes direitos.
DW África: A Amnistia tem mantido contactos com as entidades angolanas ou também com as autoridades portuguesas, tendo em conta que Luaty Beirão também tem nacionalidade portuguesa?
TP: É verdade, mas repare que este caso é mais um, infelizmente, com contornos dramáticos que reforça o historial de punição da dissidência em Angola. No último encontro que tivemos no Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) português, aproveitando o facto de Portugal ser membro do conselho de Direitos Humanos da ONU desde janeiro de 2015, chamamos a atenção para este agravamento da situação em Angola no que toca aos ativistas de direitos humanos, aos jornalistas e a todos aqueles que de alguma forma queriam ter uma voz dissidente ou exprimir opiniões.
DW África: Esse encontro no MNE foi quando?
TP: Ocorreu imediatamente antes da detenção destes ativistas e reportava aos casos, também graves, de Rafael Marques, que foi punido a pena de prisão por escrever um livro que denunciava alegadas violações de direitos humanos e o caso de José Mavungo, que foi condenado a 6 anos de prisão, já em setembro, mas que na altura já se encontrava detido, sob acusações absolutamente desproporcionais ao que os factos reportam.DW África: A Amnistia prevê falar pessoalmente com os governantes portugueses sobre esta situação dos ativistas?
TP: Esperamos muito brevemente poder ter esse encontro. Estamos também à espera da resposta da Embaixada de Angola em Lisboa ao nosso pedido de audiência. Naturalmente é um encontro que aguardamos com grande expectativa, desde logo para apresentar as mais de 35 mil assinaturas da petição.
DW África: Foi noticiada a marcação do julgamento dos ativistas em Angola, será daqui a um mês. Com a marcação da data, os advogados de Luaty Beirão e também a família tentam demover o ativista da greve de fome. Qual a posição da Amnistia? Luaty devia acabar com a greve de fome?TP: A Amnistia Internacional tem como interlocutor primeiro o Estado angolano. Se, por um lado, a marcação da data do julgamento faz querer que o caso possa ter um desfecho relativamente rápido, ou seja, não haverá um adiamento indefinido do caso, na verdade, a nossa urgência é que estas pessoas sejam imediatamente libertadas. Um Estado que deixa que os seus cidadãos se coloquem em perigo de vida, num quadro em que ele próprio desrespeita e não deixa que se pratiquem os direitos humanos é um Estado que parece disposto a tudo. Como não queremos acreditar que Angola deixe esta situação evoluir, pelo facto de que estão pessoas em perigo de vida por precisamente estarem detidas, a única coisa que faz sentido neste momento é que estas pessoas sejam imediata e incondicionalmente libertadas.