Estatuto especial do SISE questionado em Moçambique
24 de novembro de 2019Há cerca de cinco anos, o escândalo das dívidas ocultas veio expor os super-poderes da secreta moçambicana, os Serviços de Informação e Segurança do Estado (SISE).
Altos quadros envolvidos nas dívidas, em representação do organismo, recusaram-se categoricamente a prestar informações, alegando tratar-se de informação classificada. O SISE nem ao Parlamento, órgão de soberania, presta contas.
E, volvido tanto tempo desde o despoletar do escândalo, nada foi alterado em termos de lei para que passasse a subordinar-se ao Parlamento. Tal como nenhum esforço nesse sentido é empreendido, alerta o sociólogo Elísio Macamo.
"Ainda não estamos a ter nenhuma discussão, em Moçambique, sobre a necessidade de colocar os serviços de segurança do Estado sob o controlo parlamentar," relata.
Estatuto especial
E no âmbito do seu estatuto especial, o SISE só presta contas a um único órgão de soberania: o Presidente da República. E este, por sua vez, tem superpoderes, determinados pela Constituição, no âmbito do modelo presidencialista que vigora no país.
É, neste contexto, a secreta moçambicana um organismo que tende a funcionar numa lógica supra Estado? Lutero Simango é chefe da bancada parlamentar do MDM, segundo maior partido da oposição, e não tem dúvidas.
"Claro, e não só. Embora haja uma relação em que a comissão da defesa e segurança na Assembleia da República possa solicitar ao SISE que vá à comissão, isso não é vinculativo. O SISE tem um estatuto especial, eles podem cooperar, tal como não," considera.
"Nós precisamos de ter um quadro em que, de facto, obrigue o SISE a prestar contas à AR e isso é extensivo ao governador do BM, através de mecanismos pré-estabelecidos," defende Simango.
Dilema político-jurídico
E por sua vez, o facto de o Presidente da República, único órgão de soberania a quem o SISE presta contas, ter o privilégio de não responder ao Parlamento, expõe as limitações deste órgão. Face a isso, Lutero Simango entende que o sistema político-jurídico está diante de um dilema.
"E sabemos que todos esses serviços militares e paramilitares são dirigidos pelo chefe de Estado que, como figura central, não interage com a AR - o seu informe não é debatido, não é capaz de ir a AR responder às questões sobre gestão da política nacional. E é por essa razão que muitas vezes temos exigido que é preciso efetuar uma revisão global da Constituição para impor essas normas, para que, de facto, o diretor geral do SISE viesse à AR prestar contas. Não só ele, como também o governador do BM. Mas isso não acontece porque estamos amarrados a um sistema jurídico que não está a funcionar," conclui.