Etiópia e Eritreia: Um nova guerra à vista?
17 de novembro de 2023Quando o primeiro-ministro da Etiópia, Abiy Ahmed, assumiu o cargo em abril de 2018, trabalhou para garantir um acordo de paz com o antigo inimigo e vizinho, a Eritreia.
Abiy e o Presidente da Eritreia, Isaias Afwerki, assinaram um acordo de paz histórico no final do mesmo ano para pôr fim a décadas de combates.
Este acordo fez com que Abiy Ahmed ganhasse o Prémio Nobel da Paz e a admiração do mundo. Atualmente, porém, começam a surgir receios de que todos os ganhos obtidos há cinco anos sejam em breve perdidos.
Porto de Assab
Uma das principais preocupações é o desejo da Etiópia de ter acesso a um porto no Mar Vermelho. Concretamente, ao porto de Assab, que se situa na Eritreia e fazia parte da Etiópia até à sua independência, há mais de 30 anos.
Desde 1998, o acesso da Etiópia ao porto de Assab tem sido limitado devido a uma guerra fronteiriça de 20 anos entre as nações vizinhas, que matou dezenas de milhares de pessoas.
O conflito obrigou a Etiópia a canalizar as suas mercadorias e outras atividades comerciais relacionadas com o porto através do país vizinho Djibuti, que faz fronteira com a Etiópia e a Eritreia.
"Quando eles [os eritreus] declararam a sua independência, gabavam-se dos seus portos e de que iriam utilizá-los [para o desenvolvimento]. Cantavam pelos seus portos e [muito foi dito] sobre a importância dos mesmos", disse o ex-diplomata etíope, Ato Yesuf Yasin, à DW.
No entanto, Yasin também afirma que, desde então, os portos da Eritreia não têm servido nenhum país da região do Corno de África. "Hoje, a questão principal é que nem a Etiópia, tampouco a Eritreia, ou povo de Afar, que vive nas zonas costeiras e à volta delas, beneficiam-se desses portos", acrescentou, referindo-se à região etíope que faz fronteira com Tigray e a Eritreia.
"Recuperar o porto"
O Primeiro-Ministro etíope, Abiy Ahmed, afirma que o seu país merece um porto próprio, sem altos custos, e manifestou que a Etiópia estaria disposta a recuperar o acesso ao porto de Assab.
"O Mar Vermelho e o Nilo determinarão a Etiópia, estão interligados a esse país e serão os fundamentos para trazer o seu desenvolvimento, ou desaparecimento", disse Abiy Ahmed aos legisladores etíopes no mês passado, durante um discurso televisionado.
Tirando lições da controvérsia em torno da construção da Grande Barragem da Renascença Etíope no rio Nilo, o o primeiro-ministro etíope sugeriu que as conversações em torno do porto no Mar Vermelho não devem ser inacessíveis.
"O que mais me entristece e me dói é que discutir a agenda do Mar Vermelho, mesmo entre os deputados, é considerado um tabu", disse.
Em julho, Abiy também falou sobre o tema dos portos numa reunião com empresários, e disse que a Etiópia pretendia "obter um porto por meios pacíficos". Mas, acrescentou, "se isso falhar, usaremos a força".
Recentemente, porém, o primeiro-ministro pareceu mudar de ideia sobre a sua disposição de usar a força para garantir o acesso ao porto.
"A Etiópia nunca invadiu nenhum país e não o fará no futuro", disse o prémio Nobel da Paz.
Mas durante um discurso no dia 13 de outubro, Abiy disse que queria ver o tema do acesso ao porto resolvido pacificamente.
"Temos uma questão legítima, somos 100 milhões, temos um exército [...] não nos devemos tornar num país que salta e sufoca o país de outros; isso não é correto. Não temos esse interesse", afirmou.
"É possível fazer isto de forma pacífica? Sim, é possível, porque todos os que querem benefício, prosperidade, paz e desenvolvimento conjuntos assim o farão", sugeriu.
Manobra?
O analista político Ato Abdurehman Seid disse à DW que as recentes declarações de Abiy Ahmed são uma manobra, um ano depois do conflito interno da Etiópia com a região de Tigray ter terminado.
"Para o primeiro-ministro levantar a questão do porto [neste momento] pode ajudá-lo a desviar as atenções [do público] das crises económicas e militares internas", disse.
Fidel Amakye Owusu, especialista em resolução de conflitos e relações internacionais, concordou e disse que Abiy Ahmed está a tentar solidificar a sua posição política antes das eleições gerais, atribuindo o agravamento da situação económica ao fato de a Etiópia não ter um porto.
"Abiy, que tem problemas de legitimidade, no que toca as eleições, e de força interna, procura agora a sua própria sobrevivência, assim como a do seu Governo", afirma.
"O objetivo [do primeiro-ministro etíope] é, ao mesmo tempo, económico e político. Se ele é capaz de obter ganhos económicos para a Etiópia, isso lhe dá mais legitimidade, dá-lhe mais apoio para permanecer no cargo", explica.
Owusu acrescentou que Abiy só pode ter sucesso com a sua tentativa de garantir o acesso aos portos da Eritreia se seguir a agenda do nacionalista - um sentimento que ele já desperta, segundo o especialista.
"O que o primeiro-ministro tenta dizer é que a declaração unilateral de independência [da Eritreia] no início dos anos 90 pode não ser tecnicamente válida para os etíopes e que, por isso, eles precisariam de um porto", explicou. "Ao mesmo que não precisam de toda a Eritreia, precisariam de um porto que fosse legitimamente deles", diz.
Já o analista Ato Abdurehman Seid acredita que Abiy não terá sucesso com essa abordagem. "[Essa abordagem] pode ter alguns benefícios políticos, [mas] não creio que ele se atreva a invadir a Eritreia. E mesmo que o queira, não tem capacidade para o fazer", disse.
Conflito no Tigray
Abiy teve um apoio significativo entre os etíopes para a guerra em Tigray, entre 2020 e 2022, que deslocou milhões de pessoas. A Eritreia apoiou o seu Governo durante esse conflito específico, como um aliado.
O analista Seid, no entanto, explica que o Governo da Eritreia não esteve satisfeito com a forma como o conflito com Tigray terminou, e sugere que a amizade entre a Etiópia e a Eritreia, firmada em 2018, pode não ser duradoura.
"O Presidente da Eritreia, Isaias [Afwerki], acredita que a guerra civil na Etiópia [...] não produziu um resultado importante, porque não tirou a TPLF do jogo político", disse, referindo-se à Frente de Libertação do Povo de Tigray.
Seid também disse que os termos do acordo de paz, assinado entre o Governo etíope e a Frente de Libertação do Povo Tigray, não entusiasmaram a Eritreia.
"O acordo confirmou a existência da TPLF, mas também garantiu o controlo a esta [de] todos os territórios que costumavam administrar", disse, acrescentando que as ações "unilaterais" de Abiy também "excluíram os Amharas e a Eritreia", que lutaram contra a TPLF ao lado do Governo etíope. "E isso gerou deceção", explicou.
Reações
A Eritreia já condenou os comentários e a postura de Abiy, manifestando preocupação. Uma declaração do seu Governo afirma que "os discursos - reais e presumidos - sobre a água, o acesso ao mar e tópicos relacionados que têm surgido são excessivos. O caso deixou perplexos todos os observadores interessados".
Estifanos Afeworki, diplomata da Eritreia e embaixador do país no Japão, foi ainda mais explícito, afirmando que o seu país defenderia sempre o seu território.
A soberania e a integridade territorial da Eritreia não são um "se" ou um "mas". Nenhuma instigação ilegítima, propaganda, conspiração ou difamação podem mudar esta verdade", escreveu Afeworki na rede social X, antigo Twitter, em outubro - mesmo antes do discurso de Abiy no Parlamento.
O analista Owusu afirma que a Etiópia teria de reavaliar a sua vontade de construir um porto recorrendo à força, uma vez que isso poderia mergulhar a região num novo conflito.
"É muito controverso. Não vai acontecer simplesmente porque os países da região estão todos preocupados", disse. "A Etiópia está agora a parecer mais agressiva, e a esperança e expetativa que eles tinham de Abiy está a mudar de lado".
Segundo o mesmo analista, o primeiro-ministro etíope deveria, antes de tudo, abordar a busca por um porto diplomaticamente, a fim de não desencadear outro conflito.
"A atitude [do primeiro-ministro etíope] para com os seus vizinhos tem de mudar, tornar-se mais pacífica, [da mesma maneira] como ele fazia quando assumiu o poder", afirmou.