Situação humanitária chega a ponto crítico em Tigray
14 de janeiro de 2021O sistema de saúde entrou em colapso e os alimentos e medicamentos estão em escassez em Tigray, no norte da Etiópia. As agências de ajuda internacional estão a fazer soar o alarme, temendo as Nações Unidas (ONU) que um aumento de casos de Covid-19 possa exacerbar uma situação já difícil.
As agências apelam ao governo etíope, liderado pelo primeiro-ministro Abiy Ahmed, para que proporcione acesso sem entraves à toda a região. A ONU estima que 2,3 milhões de pessoas - metade da população de Tigray - necessitam urgentemente de assistência humanitária.
"Apenas cinco dos 40 hospitais de Tigray estão acessíveis", diz um relatório recente da ONU. "Há receios de que a interrupção das atividades de vigilância e monitorização da Covid-19 na região durante mais de um mês, movimentos populacionais pesados e campos de refugiados sobrelotados tenham tornado possível uma transmissão intensa do vírus".
Ao mesmo tempo, o exército etíope relatou há alguns dias que obteve "sucesso" na guerra em curso entre o governo central e TPLF pelo controlo da região norte, com quatro líderes da TPLF alegadamente mortos e nove outros detidos. Os mortos incluem o porta-voz da TPLF, Sekoture Getachew, o antigo chefe do Gabinete Financeiro da Tigray, Daniel Assefa, o antigo chefe da Autoridade Etíope de Radiodifusão, Zeray Asgedom, e o jornalista Abebe Asgedom.
Rebelde enfraqueceram
"Isto terá um grande impacto num processo de reconciliação", diz Annette Weber, especialista em África Oriental do Instituto Alemão para Assuntos Internacionais e de Segurança (SWP), numa entrevista com à DW.
"Embora não fosse isso que o primeiro-ministro Abiy tinha em mente de todo quando declarou a TPLF um grupo global, uma organização terrorista, e quis contar com o governo que nomeou em Tigray para representar os interesses da população".
No início do conflito armado, o Parlamento etíope nomeou um governo de transição para Tigray. "Esses eventos irão enfraquecer ainda mais a TPLF. É preciso dizer adeus às ideias de há dois meses atrás. Naquela altura, muitos ainda acreditavam que a TPLF iria ganhar através da guerra de guerrilha", opina Weber.
Para William Davison, analista do International Crisis Group (ICC), não é surpresa que alguns líderes da TPLF tenham sido mortos. "Os assassinatos não são um golpe imenso porque não são líderes de alto nível, mas são líderes importantes. Isto mostra que a TPLF está sob muita pressão por parte das forças governamentais".
Ajuda humanitária com dificuldades
A organização Médicos Sem Fronteiras (MSF) confirma que os combates em Tigray continuam. A instabilidade torna difícil o acesso às pessoas e aos campos de refugiados.
"Há enormes obstáculos ao nosso trabalho. As pessoas têm medo porque há combates e a maioria das áreas em Tigray não são seguras", disse Mari Carmen Viñoles, porta-voz da Unidade de Emergência da MSF. "Para além disso, há falta de medicamentos, oxigénio, comida, água, abrigo. Milhares de pessoas foram deslocadas. Os desafios são extremos".
Segundo Viñoles, os bancos também estão fechados. Isso faz com que as pessoas não obtenham dinheiro para continuar as suas vidas. Quase não há pessoal nos poucos hospitais em funcionamento, porque os funcionários fugiram por medo da violência. "Encontramo-nos numa fase em que milhões de pessoas não estão a receber cuidados de saúde. Assim, quaisquer tentativas para prevenir as infeções por Covid-19 são muito limitadas".
Alguma esperança em Mekelle
Há esperanças, contudo,na capital regional Mekelle. "Lá, com toda a cautela, a situação melhorou um pouco: há água, eletricidade e até a Internet está de novo a funcionar.
Lentamente, algumas lojas estão a abrir. A vida parece estar a voltar ao normal", diz Viñoles. "Mas Mekelle é apenas uma cidade da região, onde neste momento milhões de pessoas não têm como cuidar da saúde. A situação é terrível."
Os confrontos em Tigray começaram a 4 de novembro, quando as unidades TPLF ocuparam uma base militar do governo etíope e o primeiro-ministro ordenou ataques aéreos e terrestres. O governo da TPLF foi deposto e o exército da Etiópia invadiu Tigray, apoiado por milícias da região de Amhara, bem como por tropas suspeitas da vizinha Eritreia. Contudo, o Primeiro-Ministro Abiy já declarou a vitória em Tigray há seis semanas.
A crise ameaça desestabilizar um dos países mais populosos de África e se arrastar para vizinhos como o Sudão. Annette Weber critica a falta de acesso à zona de conflito: "Agora seria urgente sinalizar à população de Tigray que ela faz parte da Etiópia, mas isto não está a acontecer".