Etiópia: Oposição acusa Governo de querer continuar no poder
17 de junho de 2020De acordo com o cronograma eleitoral, a campanha eleitoral deveria ter começado em maio último, a votação em agosto e a publicação dos resultados deveria ter lugar antes de 8 de setembro.
Contudo, o Governo etíope fez saber que as eleições foram adiadas devido à pandemia da Covid-19. No entanto, a Comissão Eleitoral não deu uma nova data para a realização do pleito, acrescentando apenas que um novo agendamento será proposto quando a pandemia acabar.
A Covid-19 alegadamente não permite a conclusão atempada de recenseamento eleitoral e o recrutamento e formação de observadores, disse a Comissão Eleitoral.
Essas eleições são vistas como um passo crucial na transição política que o primeiro-ministro, Abiy Ahmed, vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2019, está a tentar implementar contra um cenário de elevado nível de violência comunitária. Só que, agora, a Etiópia está mais dividida do que nunca, entende William Davison, analista-chefe parano International Crisis Group.
"As eleições, que só poderão realizar-se em 2021, deverão constituir um marco no plano de mudança democrática para a Etiópia. A ideia era realizar eleições ainda mais livres e justas, com a participação dos partidos políticos, a fim de colocar o país na via de uma democracia multipartidária", explica Davison.
Governo evita eleições para continuar no poder?
A frustração dos opositores aumentou nos últimos dias, quando o Parlamento aprovou, na semana passada, o adiamento das eleições gerais, em que seria eleito um novo Parlamento, para posteriormente nomear um primeiro-ministro. Mas a decisão vai permitir a permanência do atual Parlamento e Governo até acabar a pandemia do novo coronavírus.
Os partidos da oposição acusam o Governo de evitar eleições para continuar no poder, já que o primeiro-ministro, Abiy Ahmed, continua com o seu ambicioso plano de reflorestação da grande parte do país. Apesar da pandemia, Ahmed quer que 5 biliões de arvores sejam plantadas até o final de julho.
William Davison teme que os sinais contraditórios enviados pelo Governo não só levem a mais protestos e violência, mas também a um boicote da oposição às eleições no próximo ano.
Para o analista da International Crisis Group, "o facto de a oposição rejeitar o adiamento das eleições e a prorrogação do mandato do Governo comporta o risco de os protestos se propagarem e de a oposição rejeitar também o tratamento de todo o período pré-eleitoral e boicotar as eleições. Isto constituiria um grande revés para o processo de democratização ".
No entanto, esta mudança controversa do Governo foi rejeitada por uma das quatro forças da EPRDF, a Frente de Libertação do Povo Tigray (TPLF), que até 2018 dominou a coligação e foi muito marginalizada por Abiy, que é da etnia Oromo, uma das duas maiores do país.
Violência nos próximos meses?
Além disso, a abertura política do primeiro ministro suscitou velhos ressentimentos étnicos. Em outubro, os confrontos em Oromia resultaram na morte de 86 pessoas.
Befekadu Hailu é especialista do centro de estudos para democracia e direitos humanos e prevê o seguinte: "Espero violência nos próximos meses. Não devido à recente decisão do Governo sobre o adiamento das eleições. Trata-se mais de amarguras étnicas do que de práticas antidemocráticas. Especialmente os nacionalistas em Oromia e Tigray e, em parte, em Amhara, estão a mobilizar os seus apoiantes".
Segundo especialistas, muitos dos apoiantes de Abiy também estão decepcionados com a sua governação. Quando o jovem político, 43 anos, chegou ao poder inesperadamente dois anos atrás, Abiy imediatamente começou mudou o rumo dos acontecimentos na Etiópia. A antiga elite do poder foi forçada a recuar.
De repente, houve liberdade de expressão. Grupos rebeldes foram autorizados a regressar ao país para participar no processo do desenvolvimento. Acima de tudo, o primeiro ministro prometeu eleições livres. A sua coragem foi recompensada em 2019 com o Premio Nobel da Paz. Mas, agora há quem diga que, a esperança já havia dado lugar à desilusão que prevalece até hoje.