Etiópia reconhece Somalilândia em troca de acesso ao Mar
2 de janeiro de 2024A Etiópia, país sem litoral, reconhecerá internacionalmente como um país a Somalilândia, região secessionista que se proclamou independente da Somália em 1991, em troca do acesso ao Mar Vermelho durante 50 anos, disse hoje o Presidente da Somalilândia.
"Em troca de um acesso marítimo de 20 quilómetros para as forças navais etíopes por um período de 50 anos, a Etiópia reconhecerá formalmente a República da Somalilândia", disse Muse Bihi Abdi. Num comunicado, Abdi afirmou ainda que o acordo com a Etiópia constitui "um marco diplomático importante" para a Somalilândia e sublinha "o espírito de cooperação e a parceria estratégica estabelecida".
Mogadíscio classificou o pacto surpresa de segunda-feira (01.01) uma "violação clara" da sua soberania e apelou à comunidade internacional para ficar ao seu lado.
O acordo de Adis Abeba foi anunciado poucos dias depois de o Governo da Somália ter concordado em retomar o diálogo com a região separatista do norte, após anos de impasse. A Somalilândia tem procurado a criação de um Estado desde que reivindicou a independência da Somália em 1991, uma medida fortemente contestada por Mogadíscio e não reconhecida internacionalmente.
O "histórico" memorando de entendimento assinado pelo primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, e pelo líder da Somalilândia, Muse Bihi Abdi, dá à Etiópia acesso ao porto de Berbera, no Mar Vermelho, e a uma base militar.
"A Somalilândia faz parte da Somália ao abrigo da Constituição somali, por isso a Somália considera este passo uma clara violação contra a sua soberania e unidade", afirmou o Governo somali num comunicado.
A Somália entende que o acordo é "nulo e sem base jurídica e a Somália não o aceitará". "Em resposta a isto, o Governo somali chamou de volta o seu embaixador na Etiópia para consulta”, dizem as autoridades.
A Somália promete não cruzar os braços
O Governo também disse que estava a apelar às Nações Unidas, à União Africana, à Liga Árabe e ao grupo regional da África Oriental IGAD, entre outros, "para defender o direito da Somália de defender a sua soberania e forçar a Etiópia a aderir às leis internacionais".
Num discurso à nação, o Primeiro-Ministro Barre apelou a calma: "Quero assegurar-vos que estamos empenhados em defender o país, não permitiremos que um centímetro de terra, mar e céu seja violado”, disse.
"Defenderemos a nossa terra com todos os meios legais possíveis... Devemos unir-nos e esquecer as nossas diferenças para defender a nossa terra, integridade e soberania."
Não houve comentários imediatos do Governo etíope sobre a reação da Somália. O acordo surge meses depois de Abiy ter dito que o seu país iria afirmar o seu direito de acesso ao Mar Vermelho, suscitando preocupações entre os seus vizinhos.
A Etiópia foi isolada da costa depois que a Eritreia se separou e declarou independência em 1993, após uma guerra de três décadas. Adis Abeba manteve o acesso a um porto na Eritreia até os dois países entrarem em guerra em 1998-2000 e, desde então, a Etiópia canaliza a maior parte do seu comércio através do Djibuti
Acordo também é bem visto
A economia da Etiópia tem sido limitada pela falta de acesso ao Mar Vermelho, uma estreita faixa de água entre África e a Península Arábica. Na costa sul do Golfo de Aden, o porto de Berbera oferece uma base africana na porta de entrada para o Mar Vermelho e mais a norte para o canal de Suez.
O conselheiro de segurança nacional de Abiy, Redwan Hussein, disse que a Etiópia teria acesso a uma base militar alugada no Mar Vermelho como parte do acordo. Não estava claro quando o pacto entraria em vigor.
Em 2018, a Etiópia adquiriu uma participação de 19 por cento no porto de Berbera, de acordo com a DP World, com sede no Dubai, que gere as operações do porto. A própria empresa detém uma participação de 51 por cento, enquanto a Somalilândia detém os restantes 30 por cento.
Na sexta-feira (29.12), a Somália e a Somalilândia concordaram em retomar o diálogo após dois dias de conversações mediadas pelo Presidente do Djibuti, Ismail Omar Guelleh, as primeiras do género desde 2020, quando negociações semelhantes estagnaram.
O acordo foi bem recebido pela IGAD, à qual a Somália aderiu apenas em novembro, e pela embaixada britânica, que o descreveu como um "passo vital para a reconciliação".