Extração de lítio em África: O lado mau da energia verde
26 de novembro de 2023Na mina de lítio de Uis, gerida por chineses na Namíbia, os trabalhadores locais queixam-se há meses de condições de vida miseráveis e de práticas de trabalho pouco seguras. Uma nova investigação sobre a exploração mineira de lítio em África conduzida pela Global Witness, uma organização sem fins lucrativos britânica, também acusa a empresa chinesa Xinfeng Investments, que gere a mina, de práticas de suborno para utilizar licenças destinadas a mineiros artesanais.
Mas, além da Namíbia, o relatório documenta abusos dos direitos humanos, corrupção, deslocação e práticas de trabalho inseguras em minas de lítio na República Democrática do Congo e no Zimbabué.
Colin Robertson, envestigador sénior da Global Witness e um dos autores do relatório, lembra que "há décadas o setor mineiro em África envolve frequentemente corrupção e as comunidades não recebem uma parte dos lucros".
"O que descobrimos no setor do lítio é que esta tendência vai continuar. Isto é muito preocupante", sublinha.
Lucros milionários
Chamado o "ouro branco" da revolução das energias renováveis, o lítio é um componente essencial das baterias recarregáveis que alimentam tudo, desde telemóveis a carros elétricos. Estas baterias são também vitais para armazenar a energia produzida por energias limpas, como a solar ou a eólica.
Com cerca de 5% das reservas mundiais de minério de lítio, a África tem um enorme potencial, ainda não explorado. Atualmente, apenas o Zimbabué e a Namíbia exportam minério de lítio, enquanto projetos em países como o Congo, o Mali, o Gana, a Nigéria, o Ruanda e a Etiópia estão a ser desenvolvidos.
O Zimbabué, que possui as maiores reservas de lítio da África e está em sexto lugar no ranking mundial de exportações, ganhou 209 milhões de dólares (193 milhões de euros) em lucros com o mineral nos primeiros nove meses de 2023. E isso é quase o triplo dos ganhos do ano passado.
Licenças de exportação
O país da África Austral, juntamente com a Namíbia e a Tanzânia, proibiu a exportação de lítio bruto, ou não processado, uma vez que procura obter valor acrescentado do metal leve. Mas a proibição do Zimbabué está longe de ser estanque.
A investigação da Global Witness descobriu também que grandes quantidades de minério de lítio continuam a ser transportadas para fora do país.
A Zimbabwe Defence Industries, por exemplo, uma empresa ligada ao setor militar sujeita a sanções dos EUA e da UE, obteve uma isenção especial para exportar minério de lítio para a China. O diretor do Centro para a Governação dos Recursos Naturais, com sede em Harare, Farai Maguwu, mostra-se chocado com este desenvolvimento: "Apesar de não possuírem uma única mina de lítio foi-lhes concedida uma autorização de exportação", afirma.
Com o aumento da procura deste mineral - que poderá quadruplicar até 2040, de acordo com as projeções da Agência Internacional de Energia - as principais economias e empresas internacionais estão a correr para garantir o acesso ao lítio no continente. E muitas nações africanas estão a aderir à corrida.
"Uma maldição para o país"
Mas Farai Maguwu está pessimista quanto aos benefícios da extração de lítio para o Zimbabué. "Esta abundância de depósitos de lítio no atual sistema de governação é, na verdade, uma maldição para o país", diz.
"Se há alguma coisa, é uma desgraça para o país, porque não existem sistemas que garantam que o mesmo possa gerar receitas para benefício, em primeiro lugar, das comunidades anfitriãs, que têm de pagar o custo da mina, a perda de terras, a perda de biodiversidade e a intrusão social no seu espaço", enumera o diretor do Centro para a Governação dos Recursos Naturais.
Maguwu dá o exemplo da mina de Sandawana, onde a corrida ao lítio levou milhares de habitantes locais a escavar em buscar do metal. Mas, no início de 2023, a mina foi alegadamente adquirida por empresas ligadas ao partido ZANU-PF e aos militares do Zimbabué.
"No caso do Zimbabué, mesmo quando a população local foi capaz de extrair e vender legalmente, o Governo enviou tropas armadas até aos dentes para impedir as pessoas de acederem ao lítio", aponta.
O analista diz que não existe "uma bala de prata" para resolver o problema da corrupção no setor mineiro africano, mas afirma que gostaria de ver mais empresas mineiras ocidentais a investir na extração do lítio africano, uma vez que estão frequentemente vinculadas a normas e práticas ambientais, sociais e de governação mais rigorosas.