Falta educação cívica para elite política angolana, diz ativista
31 de julho de 2012
Teve início oficialmente esta terça-feira (31.07) a campanha eleitoral para as eleições gerais de 31.08 em Angola. As duas principais forças políticas, o MPLA (no poder) e a UNITA na oposição, marcaram o arranque em Viana, nos arredores de Luanda.
Nessas terceiras eleições em 37 anos de independência de Angola – que se completam em novembro –, concorrem nove formações políticas, das quais cinco são partidos e quatro são coligações. Em disputa está a eleição direta de um novo parlamento e, por via indireta, do presidente e do vice-presidente da República, todos para um mandato de cinco anos.
Entretanto, o clima político que antecede este pleito eleitoral está a criar receios na sociedade angolana, com o medo de eventuais atos de violência pós-eleitoral, como disse em entrevista à DW África, Raul Tati, antigo padre católico no enclave de Cabinda e ativista da sociedade civil.
DW África: Como caracteriza o ambiente político para as eleições gerais em Angola hoje?
Raul Tati: Há um ambiente de agitação política neste momento porque todos os partidos estão a movimentar-se para tentar lançar a sua mensagem à população a fim de arranjar os votos necessários para a governação do país.
Relativamente à população, creio que há uma certa tranquilidade, não há tanta agitação – a não ser na capital do país, onde as coisas tenham talvez maior pendor para a agitação durante este período. Há também alguma preocupação relativamente ao pleito eleitoral porque ainda há algumas preocupações relativamente à questão ligada à transparência e à lisura deste processo.
Digo isto sobre vários aspetos que os partidos políticos vão denunciando em relação àquilo que vai ser o dia das eleições. Creio que muitos partidos vão avançar para as eleições com esta preocupação, e é normal que haja esta preocupação. Nunca se sabe o que vai acontecer no dia do voto. Em princípio, deveria ser uma incógnita.
Todavia, muitos falam já numa vitória do MPLA [partido no poder], por várias razões. Primeiro, porque o MPLA leva uma vantagem considerável em relação aos outros partidos políticos porque tem praticamente tudo para ganhar as eleições. Vamos falar, por exemplo, a nível da comunicação social. Já foi feita a distribuição do tempo de antena dos partidos políticos que vão concorrer às eleições. Todavia, notamos que o partido no poder tem a rádio 24 horas. Por exemplo, esta manhã, passou um programa, o Manhã Informativa, a falar da instalação do ensino superior em todas as partes do país, no seu crescimento, e tudo isso são louros que vão emprestando ao Executivo e indiretamente ao partido maioritário, que é o MPLA.
DW África: Sente, no seio da população angolana, algum receio de essas eleições descambarem para algo de violência?
RT: Claro que sim. O ambiente de preparação das eleições é tenso – sobretudo junto dos partidos políticos e dos atores políticos que vão participar destas eleições. A população também: vamos notando que há vontade de mudança. E há aqueles que vão prometendo que, se a expetativa desta mudança for fraudada no dia do voto com um resultado que não satisfaça a população, isto poderá trazer um ambiente de violência em Angola. Isto é verdade. E há este receio. Tanto que há pessoas que dizem que, mesmo tendo feito o registo, não vão aparecer para o voto porque senão este voto vai trazer confusão e problemas – como tem acontecido em outros países.
DW África: Isso quer dizer que as garantias e liberdades políticas não serão respeitadas em Angola?
RT: Há uma situação de intolerância política por parte de todo o partido no poder, que tem estado ali a reprimir violentamente as manifestações que vão acontecendo um pouco por todo o lado no país. Vamos agora imaginar, no ambiente pós-eleitoral, a população saia às ruas para manifestar-se, para dizer que o resultado não é justo, que houve fraude, o que vai acontecer. Vai haver certamente uma repressão por parte do sistema. Nós temos um problema muito sério: um problema de despartidarização e despolitização dos órgãos de defesa e segurança. Todos eles estão ligados ao MPLA. Se, amanhã, o resultado não for favorável ao MPLA, e se a população sair à rua, o cenário vai ser este: a polícia vai reprimir, o Exército vai reprimir contra (sic) a população, para proteger o voto do MPLA.
[Isso] quando o Exército, a polícia e os outros órgãos de segurança deveriam estar isentos dessa confusão e proteger a população. Portanto, este é o nosso receio.
DW África: Mas, apesar desse clima, nota-se na população uma vontade de participar no pleito eleitoral?
RT: Há muita vontade, há muita gente que quer participar mesmo dessas eleições porque creem que chegou a hora de dizer "basta" a esse regime que já dura 37 anos em Angola, de mandar e de dilapidar as riquezas de Angola, e isso por uma minoria de novos ricos que apareceram por aí, quando a grande parte da população angolana continua na miséria e na pobreza. Há esta vontade de avançar para o voto. E o voto está sendo visto, hoje, como aquilo que vai proporcionar esta mudança em Angola.
DW África: Então existe uma consciência patriótica e cívica bastante acentuada na população angolana.
RT: Com certeza. Isso não ponho em dúvida. O povo de Angola está preparado para estas eleições e querem mesmo participar. E eu creio que estas eleições serão as mais disputadas de sempre em Angola.
DW África: Muita gente diz que faltaram mais ações de educação cívica e eleitoral – não para a população, mas para os atores políticos que estão na corrida eleitoral. Está de acordo com esta tese?
RT: Esta tese é minha e confirmo. A minha preocupação não está tanto na população, fazendo a consciência da população. A minha preocupação está nos atores políticos, que são os que normalmente trazem confusão quando se trata de eleições. Eles estão a disputar o poder e quando perdem, não aceitam as eleições. E aqui se criou praticamente uma regra – em África, sobretudo – quem organiza as eleições é que as tem de ganhar. E não só.
Outro problema é que, quem ganha as eleições, tem que ganhar tudo. E quem perde, perde tudo. É por isso que esta é uma questão praticamente de vida ou de morte. Então, o problema fundamental para mim está nos atores políticos.
A população está muito bem educada, sabe muito bem fazer [as eleições] na tranquilidade. Querem simplesmente participar e tentar dar o seu contributo para a mudança para este país.
DW África: Como antigo padre católico em Cabinda, não acha que as igrejas devem ou deveriam ter um papel mais preponderante neste processo eleitoral em Angola?
RT: Eu digo que sim. Infelizmente, a situação das igrejas deixa muito a desejar, porque as igrejas têm uma espécie de compromisso moral com o atual Executivo e com o atual partido no poder. E isto já vamos vendo em várias partes do país: líderes religiosos fazendo pronunciamentos elogiando os ganhos do atual Executivo – e desfavorecendo os outros partidos. Portanto, acredito que os líderes religiosos deveriam ter uma isenção na suas mensagens.
Essas mensagens deveriam ser dirigidas a todos os atores políticos para terem uma consciência política mais acentuada, de tal modo que, perdendo as eleições, possam aceitar o resultado sem patriotismo, sem criar violência ou criar problemas. Mas o que vemos aqui infelizmente não é isso: os líderes religiosos passam o seu tempo a "incensar" o partido no poder. Para mim, isto é reprovável, estão a fazer o jogo do partido no poder. Isto não deveria ser assim.
DW África: Está otimista com o desfecho do pleito?
RT: Atendendo à vontade das populações em engendrar uma mudança política em Angola, creio que podemos esperar que haja isto. Mas eu não acredito muito que o MPLA possa entregar o poder assim, de bandeja. Mesmo que eles venham a perder nas urnas, não acredito que eles vão entregar o poder. Não acredito nisto.
Autor: António Rocha
Edição: Renate Krieger