Filme sobre Guerra Colonial concorre ao Urso de Ouro
15 de fevereiro de 2016É uma história de amor em tempos de guerra, baseada nas cartas escritas pelo então médico militar português António Lobo Antunes para sua esposa grávida, quando foi enviado a Angola, durante a Guerra Colonial Portuguesa, a partir de 1971.
"Cartas da Guerra", do diretor português radicado em Macau Ivo Ferreira, entrou para a competição principal do Festival Internacional de Cinema de Berlim e estreou este domingo (14.02) na capital alemã, com presença do produtor, Luís Urbano; dos atores principais, Miguel Nunes, Margarida Vila-Nova e Ricardo Pereira; e do diretor, Ivo Ferreira.
Em entrevista à DW-África, Ferreira definiu a abordagem de seu filme.
"É uma história de amor, sobretudo, e de isolamento. De como um Estado pode privar mais de um décimo da população das suas vidas e de como pode contaminar um país inteiro. Imagina que durante estes anos, quase um milhão de homens foram mobilizados – isso quer dizer um país inteiro: as mães, as mulheres, as namoradas, as amantes, os amigos, os irmãos," revela.
"Espero, sinceramente, que não volte a acontecer nenhum desses disparates," acrescenta o diretor português.
Película poética
Ivo Ferreira escolheu a película em preto em branco e a leitura de algumas das cartas que foram publicadas num livro em 2005, para conduzir o drama do jovem médico militar de forma poética. Uma história singular à qual o diretor dá dimensão universal.
"É na individualidade, é na intimidade, é nas coisas mais pequenas que as coisas depois podem se tornar universais. Porque é na intimidade, é nas coisas microscópicas que eu vejo o cosmos e foi assim que quis pegar no filme e no tema [da Guerra Colonial Portuguesa]," explica.
Rodado em grande parte na província do Cuando-Cubango, em Angola, "Cartas da Guerra" concorre ao Urso de Ouro na Berlinale 2016. O diretor revela que, para chegar até aqui, sua equipe enfrentou imensas dificuldades durante as filmagens.
"Uma experiência nada romântica. Tivemos um apoio incrível e fantástico do Governo Provincial do Cuando-Cubango. Não obstante, foi muito duro," avalia.
"Construímos aquele aquartelamento e tivemos que construir a ponte para poder passar com os materiais para fazer o quartel. Depois tivemos que convocar as aldeias todas para ajudar a fazer a ponte e era um sítio onde não havia luz, não havia água, não havia nada," recorda Ferreira.
Política e cinema
Também estiveram presentes na estreia de "Cartas da Guerra", em Berlim, o primeiro-ministro português, António Costa, e o ministro da Cultura, João Soares.
Costa declarou considerar o filme como "um exemplo da notável capacidade da criatividade nacional".
O primeiro-ministro português destacou "o fato de termos aqui [na Berlinale], pela primeira vez, um filme em competição de longa-metragem e que é, além do mais, a tradução cinematográfica de uma das grandes obras da nossa literatura, de um dos nossos grandes escritores contemporâneos que é o António Lobo Antunes."
Colonialismo português no Reino do Congo
Outra longa-metragem rodada em Angola que estreou na 66ª Berlinale é "Posto Avançado do Progresso", do diretor português radicao em Viena Hugo Vieira da Silva. O filme teve sua estréia mundial no Festival Internacional de Cinema de Berlim, na passada sexta-feira (12.02).
Baseado no conto de mesmo nome do britânico Joseph Conrad (An Outpost of Progress, do original em inglês), "Posto Avançado do Progresso" aborda o colonialismo a partir da história de dois portugueses enviados no final do Século 19 ao Reino do Congo, atualmente território angolano, para gerir um posto de comércio de marfim.
"Essas duas figuras vêm de Portugal enviadas por uma cunha para ter um trabalho e ganhar algum dinheiro e vão cair em algum espaço que realmente não conhecem," descreve.
Hugo Vieira da Silva explica que sua abordagem "tem muito a ver com esta situação das pessoas, sobretudo nessa época do Século 19, com a ideia de civilizar qualquer coisa em África - como se soubessem qualquer coisa de alguma coisa - e [os dois portugueses] são largados no desconhecido e nesse caso no território da incompreensão."
O diretor acrescenta que quis trazer o tema do colonialismo novamente ao debate, por considerar que ele caiu no esquecimento.
"Houve uma espécie de amnésia sobre todo esse passado e eu acho que Portugal precisa se reposicionar um pouco neste caldeirão que é a Comunidade Europeia e a União Europeia. Olhar para África talvez faça sentido, pensar e repensar essas questões," considera.
Hugo Vieira da Silva vê ainda um paralelo entre o colonialismo do Século 19 e a realidade atual angolana.
Para o diretor português, "continua a haver uma lógica colonialista no sentido económico do termo, porque é uma lógica em que o dinheiro manda e o dinheiro é o direito de explorar o outro. Isso em África é muito possível de acontecer. Daí que haja um extrato fundamental da população que é extremamente pobre e outro, que é estupidamente rico. Isso é chocante."
"Posto Avançado do Progresso" tem quatro exibições na mostra Forum da Berlinale, dedicada a filmes experimentais. O Festival Internacional de Cinema de Berlim decorre até o próximo domingo (21.02), na capital alemã.