1. Ir para o conteúdo
  2. Ir para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Ganhar a vida a engraxar sapatos nas ruas do Cuando Cubango

Adolfo Guerra (Menongue)
30 de julho de 2023

Há cada vez mais engraxadores na província angolana do Cuando Cubango - entre eles, muitas crianças e adolescentes que não vão à escola. A sociedade civil está preocupada.

https://p.dw.com/p/4UZKZ
Foto: Adolfo Guerra/DW

O responsável pela limpeza e polimento de sapatos recebe o nome de "engraxate" e, no Brasil, tem até um dia dedicado a si no calendário: 27 de abril. Em Angola, na província do Cuando Cubango, há cada vez mais pessoas a abraçar esta profissão.

Freitas Augusto, de 43 anos, já faz este trabalho há mais de três décadas. Formado em formação de professores, na especialidade de Biologia e Química, encontrou na profissão a forma de escapar ao desemprego - e não só.

"Comecei em Luanda, onde aprendi com os amigos, em 1992, como forma de fugir do crime", recorda. Cinco anos depois, veio para o Cuando Cubango, onde continuou a exercer a profissão. "Com o pouco que fazemos, já podemos cobrir as nossas necessidades. Muitos têm vergonha de fazer este tipo de trabalho".

Tal como Freitas Augusto, quando começou a engraxar sapatos na rua, também Daniel Afonso é menor de idade. Tem 15 anos e tornou-se engraxador há menos de seis meses, para não ter de roubar para sobreviver. Veio da Huíla, onde nasceu e aprendeu a engraxar com os amigos, para o Cuando Cubango, com uma tia.

"Comecei a engraxar por causa das necessidades e para não pegar as coisas alheias. Como engraxador, consigo cobrir as minhas necessidades", garante. "Se tiver muitos clientes, posso faturar entre 2500 e 3 mil kwanzas [cerca de 3 euros].

Schuhputzer in der angolanischen Provinz Cuando Cubango
Criança engraxa sapatos em MenongueFoto: Adolfo Guerra/DW

Desvalorização do kwanza e aumento dos preços

Tal como muitos angolanos, também os engraxadores estão a ser afetados pelos problemas da desvalorização do kwanza e da subida dos preços.

O custo da pomada e da escova que usam, por exemplo, passou de 200 kwanzas (cerca de 22 cêntimos de euro) para 450 kwanzas (cerca de 50 cêntimos) em pouco tempo.

No entanto, o preço cobrado pela limpeza de um par de sapatos não se alterou.

E a escola?

Os estudos, conta Daniel Afonso, ficaram pelo caminho. Este ano não estudou, mas o próximo será diferente: "Vou-me matricular", afirma.

Para já, enquanto "a vida não está boa", vai continuar a limpar sapatos: "Aos amigos que dizem que engraxar sapatos é sujar-se, aconselho-os a deixarem de pensar negativo e fazerem dinheiro de forma digna".

Mas será possível conciliar a escola e o trabalho de engraxador? O professor Dionísio Ferreira, da escola de formação de professores Mwene Vunongue, tem dúvidas.

Schuhputzer in der angolanischen Provinz Cuando Cubango
O material de trabalho ficou mais caroFoto: Adolfo Guerra/DW

"Muitas crianças engraxadoras, hoje, estavam em muitas esquinas às portas de estabelecimentos comerciais a pedir 50 kwanzas. A questão é: será que [a solução] é mesmo apenas dar-lhes material para se destacarem na profissão de engraxadores? Não podem ter outra forma de crescer e viver a vida? Quando é que estas crianças terão tempo de se formar?", questiona.

Medidas urgentes

"É uma idade muito pequena para começarem já a lutar para ganharem a vida desta forma", lamenta o professor.

Freitas Augusto, que tem hoje com um espaço fixo junto ao BNA e ao Governo do Cuando Cubango, concorda: "Fico triste quando vejo crianças como engraxadores. Muitos deles vêm de outros pontos do país, deixam os seus pais e chegam à província com uma tia. A profissão não é muito arriscada, felizmente, mas é muito cedo. Muitas destas crianças não estudam e parte do que ganham vai consumir álcool".

"É um dever dos pais prestar alimento aos filhos, até porque está regulado por diplomas próprios. E muitos progenitores têm influenciado a existência de crianças nas ruas a engraxar sapatos", nota o encarregado de educação Germano José Luís. "Engraxar sapatos, ou seja, trabalhar, não é dever da criança".

Dionísio Ferreira apela a medidas urgentes e "um trabalho muito sério" para mudar o rumo destas crianças: "Não é que eles não possam fazer isso [engraxar], mas há necessidade de garantir o índice de escolaridade".

Jovens cabo-verdianos já não querem ser engraxadores

Saltar a secção Mais sobre este tema