Guadalupe de Ceita lamenta não ter podido transformar STP
31 de outubro de 2014Quatro décadas depois da proclamação da independência de São Tomé e Príncipe, Guadalupe de Ceita diz ter sido alvo de um “golpe” levado a cabo pelos próprios colegas com quem lutou pela libertação do arquipélago.
Após a proclamação da independência, alcançada a 12 de julho de 1975, o médico são-tomense foi impedido de fazer parte do Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP).
Nesta entrevista à DW África, Guadalupe de Ceita, hoje com 85 anos, dá a conhecer outros meandros da história da independência de São Tomé e Príncipe.
DW África: Quem é Guadalupe de Ceita?
Guadalupe de Ceita (GC): É um político e, ao mesmo tempo, um estudante da altura. Eu comecei a minha vida política aos sete anos, por assim dizer. Porque quando estava na Roça Java com o meu pai, que trabalhava nessa roça como enfermeiro, eu conviva com angolanos, cabo-verdianos e moçambicanos e via como os portugueses maltratavam os africanos com pancada. À mínima coisa que fizessem espancavam-nos. E comecei a ter um certo horror aos empregados europeus que batiam nos negros sem que eles fizessem algo de valor.
DW África: Como é que ingressou na luta pela independência nacional?
GC: Quando completei o liceu, depois do quarto ano, vim de férias para São Tomé com o Miguel Trovoada. O Miguel Trovoada estudava Direito e eu Medicina. Em São Tomé encontramo-nos com Leonel Mário d’Alva, Filinto Costa Alegre e António Barreto Pires dos Santos (Oné). Reunimo-nos algumas vezes em Bobô-Forro e outras vezes em Boa Morte e conseguimos combinar que havíamos de lutar contra o colonialismo.
Ficou combinado que o Miguel Trovoada seguisse para África. Ele já tinha feito o primeiro ano do curso de Direito e estava a caminho do segundo ano. Eu já estava no quarto ano. Por isso, em vez de trocar os estudos por uma vida incerta, o melhor era acabar o curso de Medicina. Então eu voltei para Portugal e Miguel Trovoada seguiu para África. Mas logo que acabei o curso segui para África.
DW África: Naquela altura a comunicação era ainda difícil. No entanto, conseguiam viajar e participar em reuniões. Não era perseguido pela PIDE, a polícia política portuguesa?
GC: Eu tinha o meu nome oficial, Oné tinha o seu nome, Medeiros tinha o seu nome. Quando viajássemos seriam presos, segundo Barreto Pires. A PIDE tinha os nossos nomes, mas nunca conseguiram prender-nos porque não viajamos para os paises com os quais a polícia política portuguesa tinha relações.
DW África: Qual foi o momento mais conturbado durante a luta de libertação de São Tomé e Príncipe? Foi na Guiné Equatorial ou no Gana?
GC: Foi em 1966 quando deram o golpe contra Kwame Nkrumah no Gana. Todos aqueles que tinham relações com a Frente de Liberação de Moçambique (FRELIMO) e com o Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) tinham representantes no Gana. A África do Sul e a Namíbia também tinham os seus representantes.
E quando se deu o golpe correram com todos, tiveram que deixar o Gana. Subiu ao poder um indivíduo que estava contra Nkrumah e que não queria ver nacionalistas no Gana. Então fui para o Togo, onde estive um ano, e depois fui para o Congo, onde fiquei três anos.
DW África: Encontraram apoio suficiente no Congo?
GC: Encontramos apoio atraves do MPLA de Agostinho Neto. Fomos para a China e para Coreia como visitantes políticos. Estivemos na Conferência de Roma. Três anos depois houve outro golpe e tivemos que sair outra vez.
DW África: Foi na Guiné Equatorial que ocorreu o congresso de transformação do Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe (CLSTP) em Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe (MLSTP). O Presidente da Guiné Equatorial na altura tinha algum receio desta reunião? E que motivos levaram a que o congresso, que previa a presença de cerca de 300 pessoas, ficasse confinado a oito pessoas?
GC: Portugal tinha ameaçado os países africanos. Aqueles que dessem apoio seriam atacados. Talvez por isso ele tenha recusado a realização do nosso congresso na ilha e preferido o continente. Entretanto, quando fizemos o congresso éramos apenas oito, entre os quais Miguel Trovoada, Oné, Pinto da Costa e José Fret Lau Chong. O congresso foi feito numa casa e à porta fechada. E Pinto da Costa foi eleito secretário-geral.
DW África: Qual era a ligação que havia entre o CLSTP e os outros movimentos nacionalistas africanos?
GC: Tínhamos boas relações com o MPLA e com a FRELIMO, mas sobretudo com o Gabão.
DW África: Manuel Pinto da Costa foi eleito para o cargo de secretário-geral do CLSTP por ser uma figura de consenso na altura?
GC: Eu não queria aceitar. Como não aceitei, ninguém votou em mim. José Fret Lau Chong teve dois votos. Ele votou em si próprio e eu votei nele. Éramos apenas oito. Aquelas centenas de são-tomenses da Guiné Equatorial com quem tinha vivido três anos estavam à minha espera e a reunião, mas não fizemos isso. Pinto da Costa é que foi eleito. Em 300 e tal votos, ele teve oito.
DW África: Recorda-se de algum episódio relevante que, para si, marcou a luta pela independência nacional?
GC: Um homem como eu, que fundou o Comité de Libertação de São Tomé e Príncipe, que percorreu o mundo falando em nome de São Tomé, que reuniu o CLSTP na Guiné Equatorial, e não me quiseram deixar entrar em São Tomé. Foi um episódio lamentável.
Pinto da Costa disse que eu e os outros podíamos fazer parte do partido. Mas eu disse para comigo: se Gastão d’Alva Torres, que defendeu a nossa tese e foi chefe da delegação no Acordo de Argel [assinado em 25 de agosto de 19741 em Argel, pelos representantes de Portugal e do PAIGC, movimento de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde], não pode voltar a ingressar no Movimento de Libertação de São Tomé e Príncipe, eu também não. Foi assim que deixei de fazer parte do MLSTP/PSD.
DW África: O que levou ao afastamento de Hugo de Menezes Tomás Medeiros na luta de libertação nacional?
GC: Eu e o Hugo Menezes percorremos o Gana e o Togo. Quando chegamos ao Congo, o MPLA ia para Frente Leste e ele decidiu ir também. Mais tarde, quando ele chegou à Guiné Equatorial, já tínhamos realizado o congresso sem a participação dele. Então, foi-se embora e nunca mais voltou.
DW África: A resolução da Assembleia Geral da ONU das Nações Unidas, que a 14 de novembro de 1972 reconheceu a legitimidade da luta armada em África contra Portugal, ou o Acordo de Argel: qual teve mais peso na independência de São Tomé e Príncipe?
GC: Foi o Acordo de Argel, assinado a 26 de novembro de 1974. Esta é que foi a data histórica principal, porque foi o Acordo de Argel que reconheceu a independência nacional.
DW África: Como é que se explica o rápido declínio socioeconómico de São Tomé e Príncipe nos primeiros 15 anos após a independência?
GC: Um exemplo só: eu percorri São Tomé e Príncipe com o MEP, o Programa de Erradicação do Paludismo, e vi tudo transformado em mata. São Tomé tinha cacau por todos os cantos antes da independência, basta dizer isso. E não se falava disso. São Tomé transformou-se num país independente com possibilidades de singrar, mas não singrou e nós ficamos nessa situação.
DW África: Sente alguma mágoa em relação a isto?
GC: Eu só tenho mágoa de uma coisa: não ter podido transformar São Tomé e Príncipe. Eu, Guadalupe de Ceita, transformava São Tomé.