Guerra em Gaza: Um Ramadão sombrio para os palestinianos
11 de março de 2024Alguns dias antes do início do mês sagrado do Ramadão, as ruas da Cidade Velha de Jerusalém Oriental estavam mais silenciosas do que o habitual. Ao contrário de outros anos, não há luzes a enfeitar os caminhos estreitos. O ambiente é sombrio, com um ar de incerteza sobre como decorrerá o mês sagrado do jejum e da oração.
"Não sentimos o Ramadão", diz Um Ammar, enquanto caminha na rua Al-Wad, umas das principais da Cidade Velha. A guerra em Gaza ocupa a mente de todos, afirma. Segundo o Ministério da Saúde controlado pelo Hamas, cerca de 31.000 pessoas foram mortas e as agências de ajuda humanitária alertam para a fome iminente.
"Aqui, vamos ter um iftar. Mas há muita gente que não vai poder comer, porque não há comida em Gaza", explica, referindo-se à refeição que quebra o jejum ao pôr do sol. "Quando nos sentarmos à mesa, de que tipo de Ramadão vamos falar? Isto não é Ramadão, parece mais um velório para prestar condolências", lamenta.
Um sentimento partilhado por muitos no bairro. Hashem Taha tem uma loja de especiarias na rua Al-Wad: "Jerusalém está triste, o povo de Gaza é o nosso povo, é família, e somos afetados pelo que vemos a acontecer lá".
Esperança num Ramadão calmo
Ao longo dos anos, comerciantes e residentes deste bairro têm vindo a testemunhar a tensão e violência entre a polícia fronteiriça israelita e residentes palestinianos, mas a maioria espera que se mantenha uma relativa calma em Jerusalém durante este Ramadão.
Perto da loja de Taha, agentes da polícia israleita interpelam jovens palestinianos para verificar a sua identidade e pertences. "Já estão a dificultar muito as coisas e a incomodar as pessoas a toda a hora", diz Taha.
Este ano, a guerra em Gaza, que começou depois de militantes do Hamas atacarem o sul de Israel a 7 de outubro, está a ensombrar o Ramadão. O mês sagrado começou na noite de domingo (10.03), depois do avistamento da lua em quarto crescente.
No passado, as tensões concentravam-se em torno da mesquita de Al-Aqsa, conhecida pelos muçulmanos como Haram al-Sharif e pelos judeus como Monte do Templo, onde se encontra o Muro das Lamentações.
Pontos de tensão
Dutante o Ramadão, centenas de milhares de muçulmanos reúnem-se para rezar na grande praça em frente à mesquira de Al-Aqsa.
Em fevereiro, o ministro da Segurança de Israel, o político de extrema-direita Itamar Ben-Gvir, apelou à restrição do número de de fiéis que podem ir à mesquita. As tentativas de Israel de impor restrições relacionadas com a idade e outras aos palestinianos que entram no local sagrado (para os muçulmanos e para os judeus) levaram a confrontos entre as forças policiais e os fiéis, no passado.
O Hamas - classificado como organização terrorista pelos Estados Unidos, a União Europeia e a Alemanha, entre outros - também tentou usar a importância do local para palestinianos e muçulmanos em todo o mundo para aumentar a pressão. Recentemente, num discurso transmitido pela televisão, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, apelou aos palestinianos para que marchassem até à mesquita de Al-Aqsa no primeiro dia do Ramadão.
A 5 de março, o Governo israelita disse que não iria impor novas restrições: "Durante a primeira semana do Ramadão, os fiéis serão autorizados a entrar no Monte do Templo em número semelhante ao dos anos anteriores", refere um comunicado divulgado pelo gabinete do primeiro-ministro israelita. "O Ramadão é sagrado para os muçulmanos e a sua santidade será mantida este ano, como acontece todos os anos". No entanto, lê-se ainda no documento, "será efetuada uma avaliação semanal dos aspetos de segurança".
Ao mesmo tempo, também se verificam frequentemente cenas de tensão e violência noutras partes de Jerusalém Oriental ocupada por Israel, sobretudo em torno do Portão de Damasco e da sua praça - uma das principais portas de entrada na Cidade Velha - com a polícia a impedir jovens palestinianos residentes de se reunirem nas escadas durante as noites de Ramadão. Ainda não é claro se os palestinianos da Cisjordânia ocupada poderão entrar em Jerusalém.
Al-Aqsa quer rezar com "calma e tranquilidade"
Autoridades religiosas saudaram a decisão do Governo. "Estamos muito felizes por, neste mês abençoado, haver coisas que começaram a tornar-se claras para os muçulmanos no que respeita à abertura das portas da Mesquita de Al-Aqsa a todos os visitantes, sem restrições de idade", disse o xeque Azzam al-Khatib à DW, em Jerusalém.
Azzam al Khatib é o diretor do Waqf de Jerusalém, o organismo responsável pela implementação da custódia jordana sobre locais sagrados islâmicos e cristãos em Jerusalém e não só. "O nosso objetivo é orar e jejuar lá, e a possibilidade de chegar à mesquita em total calma e tranquilidade. Também deixar a mesquita em total calma e tranquilidade", afirma.
O início do Ramadão tinha também sido apontado como uma espécie de prazo para os recentes esforços dos mediadores dos EUA, do Qatar e do Egito para alcançar um novo acordo de reféns e cessar-fogo temporário entre Israel e o Hamas. No entanto, não há qualquer sinal de um acordo para a libertação dos 134 reféns israelitas sob controlo do Hamas.
Em Gaza, havia esperanças de que um cessar-fogo, mesmo que temporário, trouxesse algum alívio. Pelo menos, haveria menos medo e ansiedade, diz Nour al-Muzaini à DW através do WhatsApp. Há seis meses que esta mulher de 36 anos está deslocada - partiu da cidade de Gaza para Khan Younis e depois para a cidade fronteiriça de Rafah.
"No Ramadão, cumprimos rituais que são parte integrante da nossa vida normal, como a quebra do jejum, a oração e os atos de adoração. É um mês de misericórdia e de perdão, mas é difícil cumpri-lo quando se está deslocado", afirma.
Um Ramadão sombrio
Tamer Abu Kwaik está acima de tudo preocupado com os seus filhos. Ele e a sua família vivem agora numa tenda em Rafah, depois de fazerem uma viagem semelhante desde o norte de Gaza. O Ramadão, diz Abu Kwaik, sempre foi uma época especial para a família.
"Antes da guerra, costumávamos criar um ambiente bonito para as crianças. Agora, fazemos o melhor para lhes pormos sorrisos na cara. No entanto, enquanto decoro a tenda, percebo que não vai ser tão bom como era", conta, numa mensagem de áudio através do Whatsapp.
Tem sido difícil lidar com a incerteza sobre o futuro: "Temos estado psicologicamente a tentar lidar com esta crise, esperando que a guerra termine em breve e que haja um cessar-fogo para podermos voltar a casa", explica Abu Kwaik. "A minha casa foi demolida. Pergunto-me muitas vezes o que é que vou fazer quando a guerra acabar".
Se não for alcançado um novo acordo sobre os reféns, Israel afirmou que iria alargar a sua operação terrestre a Rafah, onde cerca de 1,4 milhões de palestinianos deslocados procuram atualmente abrigo.
O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, reiterou que "as IDF [Forças de Defesa de Israel] continuarão a atuar contra todos os batalhões do Hamas em toda a Faixa de Gaza - e isso inclui Rafah, o último reduto do Hamas. Quem quer que nos diga para não operarmos em Rafah está a dizer-nos para perdermos a guerra - isso não vai acontecer".