Guiné-Bissau "caminha para o colapso social"
28 de junho de 2021A economia da Guiné-Bissau está à beira da bancarrota por causa do elevado nível de dívida externa do país, que ronda os 80% do Produto Interno Bruto (PIB).
Segundo o ministro das Finanças guineense, João Mamadu Fadiá, a situação tende a tornar-se insustentável, porque a divida está acima do teto fixado à luz dos critérios de convergência da União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA), que determina que nenhum país membro pode ter uma dívida pública superior a 70% do seu PIB.
As declarações do ministro geram indignação numa altura em que o país vive greves na função pública, corre o risco de ver o ano letivo anulado, presencia uma situação sanitária caótica e acaba de sofrer aumentos de impostos.
Em entrevista à DW África, deputado do PAIGC, Dionísio Pereira, alerta para o crescente "colapso social" que se vive na Guiné-Bissau.
DW África: Como é que vê a atual situação no país?
Dionísio Pereira (DP): O teor da minha intervenção no Parlamento tem a ver com a dívida pública da Guiné-Bissau, que atingiu 79% do PIB, o que não é normal. Primeiramente, viola a convergência da União Económica e Monetária da África Ocidental (UEMOA) que diz que nenhum país-membro deve ultrapassar 70% de dívida. Por outro lado, este dinheiro não foi aplicado. É normal os países contraírem dívida, mas o dinheiro é sempre aplicado num investimento para ter retorno. No caso da Guiné-Bissau, o que nós assistimos é que o Governo contraiu dívida para pagar salários. Isso não é normal. Depois, o Governo não informa à população qual é a quantia desse valor. O que nós sabemos agora é a percentagem em relação ao PIB. Mas qual é o montante desse valor? São um conjunto de questões que nós levantámos aqui na Assembleia [Nacional Popular] para que o povo da Guiné-Bissau possa ter mais informação sobre a dívida pública.
DW África: O ministro das Finanças João Mamadu Fadiá confirma que a Guiné-Bissau caminha para uma situação de insustentabilidade, mas diz que as dívidas não são de agora...
DP: Sim, de acordo com a tabela que nós tivemos acesso, até à tomada de posse do atual Executivo, a Guiné-Bissau não tinha atingido 70% de dívida. Estava na ordem dos cerca de 50% de dívida. Até à tomada de posse deste Governo, toda a dívida tinha sido aplicada em investimento, como a construção de infraestruturas. Mas a partir da tomada de posse deste Governo, este dinheiro não foi investido em nada. Serviu para pagar salários e subsídios dos titulares de órgãos de soberania, como a Presidência da República, a Assembleia [Nacional Popular] e o Supremo Tribunal de Justiça.
DW África: Como é que o povo vê esta situação? Para onde foi todo esse dinheiro?
DP: A grande questão é que o povo já não confia... Mas não há liberdade de expressão na Guiné-Bissau, porque hoje quem critica o Governo é espancado, é preso, é sequestrado... O povo da Guiné-Bissau já não confia, porque não há seriedade na gestão da coisa pública. O povo tem de mostrar a indignação, porque hoje não só a dívida atingiu esse nível, mas também houve aumento de impostos. O povo paga mais impostos, mas isso não se reflete na melhoria da qualidade dos serviços sociais. Temos greve na saúde há mais de seis meses. O ano letivo vai ser nulo consecutivamente. O país caminha para o colapso social, o que é lamentável e triste.
DW África: O que é que os deputados e dirigentes políticos querem fazer para inverter a tendência?
DP: Temos um Governo incompetente que não é capaz de dialogar com os sindicatos, que não é capaz de fazer boa gestão da coisa púbica e que está envolvido em corrupção. Penso que a primeira solução é a demissão do próprio Governo. Já está provado que este Governo não tem condições para gerir o país. É preciso um novo Governo que possa ganhar a confiança do povo, dos parceiros multilaterais e da comunidade internacional, o que não é o caso agora. Nós achamos que é preciso mudar e demitir este Governo para que a Guiné-Bissau se possa libertar da situação em que se encontra.