Guiné-Bissau em análise na cimeira da CEDEAO
28 de junho de 2019Este fim-de-semana pode ser crucial para a definição dos próximos capítulos da crise política guineense: já depois de a Assembleia Nacional Popular (ANP) ter retirado os poderes ao Presidente da República, com o mandato a chegar ao fim oficialmente no passado domingo (23.06), a Presidência anunciou que José Mário Vaz viaja esta sexta-feira para a Nigéria para participar na cimeira da CEDEAO – que vai analisar a situação política no país.
Para o gestor e analista guineense Luís Barbosa Vicente, no entanto, o encontro em Abuja não servirá para clarificar definitivamente o impasse, se o presidente da ANP, Cipriano Cassamá – presidente interino, segundo a resolução parlamentar aprovada na quinta-feira - não for também ouvido.
DW África: Qual é a probabilidade de haver uma ação dura da comunidade internacional contra o chefe de Estado guineense nesta reunião em Abuja?
Luís Barbosa Vicente (LBV): O grande problema aqui é [José Mário Vaz] vai lá fazer o quê? Para que efeito? E que sanções? É um conjunto de situações que não se percebe. Temos um imbróglio constitucional muito grande. O Parlamento, na resolução de quinta-feira (27.06) substituiu o Presidente da República por um presidente interino, que é o presidente da ANP. Alguns constitucionalistas dizem que é válido, outros dizem que não. Estamos sem saber concretamente o que se pretende fazer. E a CEDEAO convida o Presidente para falar sobre o quê, para fazer o quê? Está ou não está ao corrente dessa resolução da ANP? É tudo uma questão de confusão nos guineenses, uma situação terrível, porque faltou diálogo, faltou a convivência política pacífica e chegamos a este ponto.
DW África: Acha que não sairá desta reunião da CEDEAO nenhuma acção concreta em relação a José Mário Vaz?
LVB: O que me parece é que a CEDEAO não quer saber coisíssima nenhuma sobre as resoluções que são tomadas na ANP. É um facto. Agora, precisamos de saber se [José Mário Vaz] vai para Abuja ajudar a resolver o problema e automaticamente a CEDEAO chama o presidente da ANP ou em que é que ficamos? Estamos num impasse terrível. Acho que não vai resultar coisíssima nenhuma em Abuja, é mais uma perda de tempo. Quem tem de estar à frente dos destinos é o presidente da ANP ou o Presidente da República? Que nos resolvam esse problema rapidamente.
Sabemos que a resolução ainda vai para o Supremo Tribunal de Justiça. Quando é que esta situação vai ser resolvida? O país fica sem Governo e continuamos nesta situação dúbia. A Guiné-Bissau está a ser maltratada aos olhos de toda a gente e o povo é que acaba por sofrer.
DW África: Voltando à resolução no Parlamento, temos, por exemplo, o Movimento para a Alternância Democrática (Madem-G15) a afirmar que a resolução que determina o fim das funções do atual chefe de Estado não tem "valor jurídico". Acha que há aqui espaço para dúvidas ou é claro que Cipriano Cassamá, o presidente do Parlamento, é o presidente interino?
LVB: Sinceramente, até eu estou confuso. Não sou constitucionalista e é o Supremo Tribunal que tem de decidir. A falta de diálogo tornou-nos tão frágeis, já ultrapassámos tudo o que é decência a nível político. Rompemos a Constituição da República há muito tempo. Só o acórdão do Supremo Tribunal da Justiça vai esclarecer quem é que, neste momento, manda no Estado guineense. Esta é a grande questão. Por isso é que pergunto: Abuja para resolver o quê, quando o problema está na Guiné? É para falar só com uma das partes ou irá o presidente da ANP ser ouvido também?
DW África: Dado o impasse prolongado no país, há receios de uma solução militar, um golpe de Estado? Como irão reagir as Forças Armadas?
LVB: Com menos problemas já houve golpes de Estado na Guiné. Sinceramente, estou com o coração nas mãos. Não quero criar o pânico de que irá acontecer alguma coisa por parte dos militares. O que peço sempre é que os militares estejam como têm estado, sem se imiscuírem na vida política e a tentar sempre assegurar a integridade do território. Isto é fundamental. Agora, os homens políticos têm de chegar, de uma vez por todas, à resolução dos conflitos que existem no país.
A CEDEAO, a União Europeia, a União Africana, a CPLP – todos podem ajudar, mas quem tem a solução dos problemas são o guineenses e não são os militares que vão interferir. Serão os políticos a resolver este problema.
DW África: Falava dos homens políticos e temos José Mário Vaz em Abuja, mas também temos o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira, em Nova Iorque, para encontros nas Nações Unidas para analisar a crise. Qual poderá ser o papel de Simões Pereira?
LVB: Eu espero que Domingos Simões Pereira tente também, de uma vez por todas, aproximar-se de todas as esferas políticas, os partidos adversários, para chegar a um acordo, conversando. Espero que ele tenha em consideração a posição que ocupa, por ser o líder do partido que venceu as eleições, e uma pessoa que conhece muito bem a diplomacia, que saiba usar esses trunfos. Espero que as Nações Unidas consigam fazê-lo ver que é aproximando as partes que se resolve o problema. O mesmo se aplica aos partidos da oposição: que dêem um passo no sentido de estabilizar esta situação que envergonha todos os guineenses.
Não é justo o que estão a fazer na Guiné-Bissau. Não são meia dúzia de pessoas que vão criar este problema grave que poderá resultar numa outra situação. Não digo que os militares possam intervir, mas a sociedade civil, os cidadãos, poderão estar cansados e tomar alguma medida que pode não correr bem, havendo depois intervenção militar. Estamos em cima de um barril de pólvora e é preciso ter calma e tentar resolver o problema da melhor maneira possível.