Guineenses na diáspora "envergonhados" com a crise no país
17 de novembro de 2016É notório o descontentamento dos cidadãos guineenses na diáspora quando abordados sobre a situação política no seu país de origem. O prolongamento da crise política e o impasse que impera na busca de uma solução deixa os guineenses envergonhados. Foi este sentimento que a DW registou no Rossio, na baixa de Lisboa, onde regularmente se concentram grupos de africanos.
Lamine Seidi está "muito descontente". "A Guiné-Bissau está abaixo de todos [os outros países de] África", o que causa "muitas tristezas", diz o guineense.
Lamine Seidi considera que o "Governo trabalha muito mal e os guineenses têm vergonha, muita vergonha". "Nós somos inimigos de nós próprios. E isso é muito triste", desabafa o guineense que está há quatro anos em Portugal, para onde quer trazer a família.
Lamine Seidi veio para Lisboa porque o clima de instabilidade em Bissau não lhe oferece oportunidades de emprego: "lá não tem trabalho, não tem nada agora. É muito difícil viver."
O amigo, que não quis identificar-se, suspira de cansaço quando questionado sobre o que se passa na Guiné-Bissau. Evita falar de política. "O que me está a preocupar é a minha família e a minha vida", sublinha o guineense.
Filipe Mendes vive e trabalha há dez anos em Portugal e sente-se frustrado com atual situação no seu país, "mas ninguém pode fazer nada", lamenta. "Em África, outros países estão a avançar e a Guiné-Bissau também tem que avançar. A situação do país não nos permite regressar", observa Filipe Mendes.
Todos querem que o país avance. Muitos guineenses que deixaram o país por causa da crise política-militar seguem atentos os acontecimentos na Guiné-Bissau. Anseiam pela estabilidade para poderem regressar. Desejam, por isso, uma solução duradoura.
Jomav: o epicentro da crise
Há vários anos que o país convive em clima de instabilidade e falta de consenso entre os atores políticos. A crise ganhou outros contornos depois do Presidente da República, José Mário Vaz, ter demitido o Governo de Domingos Simões Pereira em agosto de 2015.
Face ao ponto a que o país chegou, o investigador do Instituto Português das Relações Internacionais e Segurança (IPRIS) Paulo Gorjão aponta o dedo ao chefe de Estado. "O Presidente assumiu-se como um foco de instabilidade política, na minha leitura, forçando os poderes que lhe estão garantidos pela Constituição e forçando um papel político que à partida no sistema semi-presidencial não teria. E, portanto, José Mário Vaz tem sido o epicentro desta crise que se arrasta há já longos meses", afirma Gorjão.
A Guiné-Bissau aguarda a nomeação de um novo primeiro-ministro, depois do Presidente ter demitido Baciro Djá, na terça-feira (15.11). No entanto, "mesmo que se consiga chegar – como é natural que se chegue – a uma solução para nomear um novo primeiro-ministro, eu não vejo aqui um solução duradoura ou alguma estabilidade antes de novas eleições, sejam elas as que estão marcadas para 2018 ou aquilo que eu entenderia que seria melhor que seriam eleições antecipadas", diz o analista português.
CEDEAO benevolente com Jomav
Para o investigador IPRIS, a Comunidade Económica e de Desenvolvimento dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) não tem assumido uma posição isenta e neutral neste último ciclo de instabilidade política.
Segundo Paulo Gorjão, a CEDEAO tem procurado "minimizar a conflitualidade e encontrar uma solução, mas é também uma parte responsável pela situação, na medida em que a Comunidade dá algum respaldo político ao Presidente da República. Em circunstância alguma, do ponto de vista formal e público, até hoje tiraram, de algum modo, o tapete ao Presidente da República."
O analista considera que foi um erro a demissão do Governo de Baciro Djá. "Nada mudou, apenas se consumiu mais tempo", explica. "Esta solução não tinha qualquer tipo de viabilidade", acrescenta.
"A solução só será encontrada quando se alterarem os equilíbros do poder interno na Guiné-Bissau e isso faz-se de uma maniera única, que é através de um novo ato eleitoral, que ou dará razão às posições do Presidente ou dará maior razão e legitimará as posições de Domingos Simões Pereira e do PAIGC - o que eu acho que é mais provável . É só assim que esta crise se resolverá", sustenta Paulo Gorjão. Contudo, "o argumento de que não existe dinheiro [para realizar eleições] é favorável às posições do Presidente da República", acrescenta.
"A necessidade de encontrar alguém de consenso é terrivelmente difícil no contexto da Guiné-Bissau", reforça o investigador. Paulo Gorjão está pessimista. Acredita que, independentemente de quem vier a ser escolhido para novo primeiro-ministro, o cenário de crise vai continuar, adiando-se apenas a solução que, a seu ver, passa por novas eleições.