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Guiné-Bissau "parou de funcionar", diz jornal alemão

20 de abril de 2012

Artigo explica golpe de Estado na Guiné-Bissau com questão do narcotráfico e política de desmilitarização do governo anterior. Expansão de mandato da Bundeswehr na Somália e Kizomba entre os destaques da imprensa alemã.

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Revista de imprensa
Revista de imprensaFoto: Fotolia

"Pane no funcionamento", titula o jornal conservador Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) num artigo publicado na quinta-feira (19.04), uma semana após o golpe de Estado que destituiu o presidente interino Raimundo Pereira e o primeiro-ministro e candidato presidencial Carlos Gomes Júnior na Guiné-Bissau. Os dois dirigentes estão detidos, em poder dos militares.

O subtítulo do artigo explica, em poucas palavras, que a "junta" que tomou o poder na Guiné-Bissau – ou seja, o Comando Militar – procura apoios, e que os militares deram o golpe porque o favorito à vitória nas presidenciais antecipadas – Carlos Gomes Júnior, "admirado pela comunidade internacional" – queria combater o narcotráfico, "lucrativo para o setor militar".

O jornalista Jochen Stahnke destaca ainda que "um golpe de Estado na Guiné-Bissau é mais uma regra que uma exceção", e lembra que, "desde 1974, nenhum presidente conseguiu terminar o mandato. Por vezes, como no caso do antigo presidente João Bernardo 'Nino' Vieira, há três anos atrás, os presidentes nem sobreviveram ao mandato".

O FAZ ainda lembra que o golpe na Guiné-Bissau é o segundo, em poucas semanas, na região ocidental africana – depois do golpe de Estado no Mali, a poucas centenas de quilômetros da Guiné-Bissau. E, tal como no Mali, a Guiné-Bissau se encontrava em processo eleitoral.

O jornal suíço em língua alemã Neue Zürcher Zeitung publicou matéria factual sobre o golpe também na quinta-feira (19.04), dizendo que o autodenominado Comando Militar e os partidos da oposição assinaram um acordo prevendo um período de transição de dois anos na Guiné-Bissau para a reposição da ordem constitucional.

Desmilitarização e tráfico de drogas terão sido motivos para o golpe

Já o jornal alemão FAZ relata que o fato de o oposicionista Kumba Ialá, segundo colocado na primeira volta de 18.03, ter acusado o partido governista PAIGC de "fraude" e, principalmente, ter anunciado que não haveria segunda volta, levou alguns observadores a enxergarem na última declaração "uma ordenação do golpe militar".

"O antigo presidente Koumba Yalá conseguiu abrigar muitos membros da própria etnia, os balanta, no exército, durante o seu mandato (2000 – 2003). Na segunda-feira (16.04), Ialá condenou o golpe – após dias de silêncio", comenta o FAZ.

Stahnke avalia ainda que o golpe era "provavelmente a última oportunidade dos militares de impedir a eleição de Carlos Gomes Júnior e de evitar a sua política de desmilitarização". Segundo o relato do FAZ, a Guiné-Bissau é o único país da região que conseguiu conquistar a própria independência através de luta armada.

"Muitos militares deduzem privilégios desse fato", escreve o FAZ. "Ao contrário, o abastado homem de negócios Carlos Gomes Júnior é um filho da formação colonial de elite – como primeiro-ministro, ele já tentara reformar as forças de segurança, querendo aumentar o poder da polícia em relação aos militares e reduzindo o efetivo militar em um quarto".

A política das novas forças policiais, que Gomes Júnior queria continuar como presidente, teria como objetivo principal lutar contra o tráfico de drogas neste país ocidental africano conhecido como placa giratória da droga entre a América do Sul e a Europa. "O setor militar tem larga participação no tráfico de drogas", relata o jornal.

"Especialmente o antigo chefe da marinha, Bubo Na Tchuto, teve papel de destaque nesse contexto. Ele é um dos maiores chefes da droga do país e, oficialmente, ainda está em poder dos militares. Mas também existem rumores segundo os quais ele estaria compactuando com os soldados", diz o FAZ, que também diz que colaboradores próximos do ex-presidente Kumba Ialá estariam envolvidos no tráfico de drogas. Segundo o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, somente em dezembro de 2011,16 toneladas de entorpecentes teriam sido negociadas pela Guiné-Bissau.

Sobre a retirada oficial da missão de cooperação militar angolana da Guiné-Bissau, a Missang, o FAZ escreve que, possivelmente, "Luanda quer proteger assim os seus investimentos na Guiné-Bissau, como os anunciados 500 milhões de dólares previstos para a ampliação de uma mina de bauxite. A saída também deverá ser uma maneira dos angolanos de não se indispor com a 'junta'", avalia o jornal alemão, que cita ainda agências noticiosas dizendo que "os soldados angolanos ainda estariam na Guiné-Bissau".

A praia como zona de combate

Tal é o título da matéria do diário Tagesspiegel, que comenta um assunto de destaque no noticiário alemão na semana que passou: o governo alemão decidiu que a Bundeswehr, o exército alemão, também poderá combater piratas somalis em terra. Até agora, o mandato permitia apenas o combate à pirataria em alto-mar.

A função adicional faz parte de uma ampliação do mandato dos soldados alemães no âmbito da missão europeia "Atalanta" de combate à pirataria no litoral somali. Segundo a decisão do governo alemão, os soldados do país também poderão realizar ataques aéreos a até dois quilômetros da praia. Segundo analistas, ao contrário de decisões anteriores, a oposição deverá barrar a aprovação dessa permissão extra no parlamento alemão, a 11.05. A Alemanha participa da "Atalanta" com 230 tripulantes.

A decisão causou muita controvérsia na Alemanha. O Tagesspiegel citou a justificativa do ministro da Defesa da Alemanha, Thomas de Maizière, que disse que a missão alemã no âmbito da "Atalanta" não teria nova qualidade, mas que o combate aos piratas em terra seria uma opção "pequena, útil e adicional". Já a oposição considera tal opção "perigosa e desnecessária". Os críticos costumam apontar os chamados "danos colaterais" como razão para a resistência ao combate em terra – o que poderia, segundo observadores, prejudicar a legitimidade da missão.

"E de Maizière tem um problema próprio bastante especial: até há pouco tempo atrás, ele mesmo considerava o novo mandato da UE, decidido em março [e que prevê o combate em terra], arriscado e supérfluo".

Kizomba: de Angola para o mundo

O diário suíço Neue Zürcher Zeitung publicou reportagem nesta sexta-feira (20.04), descrevendo o Kizomba, "dança de pares celebrado no mundo lusófono e que obriga à comodidade. O Kizomba é como um pêndulo, como mostra Sonho 2012, uma música da cantora Isidora na nova compilação Kizomba", descreve o artigo.

Os "doces sons" são completados pela dança de pares, com "pulos refinados e movimentos de quadril". "Mas não é preciso dançar sempre ao som do Kizomba. Também é possível sonhar na mesa de bar ouvindo este ritmo", que o jornal diz que é "como se a canção Sexual Healing, de Marvin Gaye, tivesse feito escola – ao menos no que diz respeito ao ritmo, ao sentimento e à atmosfera erotizada" que evoca.

O jornalista Hans Keller escreve ainda que o Kizomba "é um certo derivado do Zouk", surgido nos anos 1980 nas Antilhas francesas, Martinica e Guadalupe. E que surgiu em Angola na mesma altura. "É característico que um estilo de misturas como o Zouk tenha criado inovações musicais ao chegar num local com estilos regionais claros, mas que não tinham muito potencial de inovação. A fusão acabou gerando essa inovação", avalia Keller, que lembra ainda que, como o Kuduro – "mais duro" – o Kizomba se espalhou pela Europa inteira a partir de Portugal.

"Atualmente, quase todas as grandes cidades possuem uma cena de Kizomba – metrópoles como Amsterdã, Bruxelas ou Boston desenvolveram uma estilística local, onde os músicos de Cabo Verde tiveram papel fundamental. "Muitos 'Kizombeiros' – como Ricky Boy, Djodje e Suzanna Lubrano – são de origem cabo-verdiana, como a conhecida Lura" – que na compilação apresenta o "talvez mais conhecido Kizomba de todos: "Na Ri Na", lembra o Neue Zürcher Zeitung.

Soldados da marinha alemã em ação no Corno de África
Soldados da marinha alemã em ação no Corno de ÁfricaFoto: picture-alliance/dpa
Política de combate ao tráfico de drogas do primeiro-ministro "Cadogo" (foto) terá sido um dos motivos para o golpe de Estado
Política de combate ao tráfico de drogas do primeiro-ministro "Cadogo" (foto) terá sido um dos motivos para o golpe de EstadoFoto: Reuters
Manuel Serifo Nhamadjo, nomeado presidente da Guiné-Bissau pelo Comando Militar; ONU rejeitou nomeação
Manuel Serifo Nhamadjo, nomeado presidente da Guiné-Bissau pelo Comando Militar; ONU rejeitou nomeaçãoFoto: picture-alliance/abaca
Golpe terá sido "última chance para evitar desmilitarização e combate ao tráfico de drogas", escreve jornal
Golpe terá sido "última chance para evitar desmilitarização e combate ao tráfico de drogas", escreve jornalFoto: Reuters
Lancha supostamente usada no tráfico de drogas ancorada em Bissau, em 2007
Lancha supostamente usada no tráfico de drogas ancorada em Bissau, em 2007Foto: AP

Autora: Renate Krieger
Edição: António Rocha


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