Guiné-Bissau, um país que não encontra a paz
23 de outubro de 2012
Na Guiné-Bissau, a frequência com que se tenta derrubar governos pela força é cada vez maior. No país, há agora uma tentativa de golpe de Estado quase de seis em seis meses.
Depois de um levantamento militar fracassado em dezembro de 2011, seguiu-se um golpe de Estado bem sucedido em abril deste ano. O golpe tirou do poder o primeiro-ministro democraticamente eleito Carlos Gomes Júnior, duas semanas antes da segunda volta das eleições presidenciais às quais ele concorria como candidato.
Agora, na madrugada de domingo, houve mais uma tentativa de golpe de Estado – é, pelo menos, assim que o governo de transição guineense classifica o ataque ao quartel das Forças Armadas de Bissalanca, durante o qual morreram seis pessoas, todas do grupo assaltante.
O politólogo Paulo Gorjão não terá ficado surpreendido. Gorjão, que trabalha no Instituto Português de Relações Internacionais e Segurança (IPRIS), em Lisboa, já tinha previsto tempos instáveis no país depois da tentativa de golpe de Estado de dezembro passado. "Enquanto não houver uma reforma do setor de segurança, não acredito que na Guiné-Bissau haja alguma solução duradoura, porque a fonte de poder na Guiné-Bissau não é o poder civil, são os militares. Sempre o foram, desde a independência [reconhecida em 1974]", disse na altura, em entrevista à DW África.
Braço de ferro entre poder militar e civil
No máximo desde o golpe de Estado militar de 12.04 terá ficado claro que os militares guineenses não toleram que autoridades civis lhes façam sombra. Naquele momento, o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior era tido como o possível vencedor da segunda volta das presidenciais antecipadas, convocadas após a morte, por doença, em janeiro, do antigo presidente Malam Bacai Sanhá.
De imediato, os militares parecem ter entendido que, se Gomes Júnior ganhasse, teria a oportunidade de reformar as Forças Armadas com a legitimidade obtida nas eleições.
Depois de uma missão da União Europeia não ter conseguido reformar o setor de segurança na Guiné-Bissau, o então primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior chamou soldados angolanos para profissionalizar as Forças Armadas com a MISSANG, a missão militar angolana de cooperação na Guiné-Bissau.
Mas essa parece ter sido a gota d'água para os militares guineenses, que forçaram Carlos Gomes Júnior a sair do poder, cancelaram a segunda ronda das eleições presidenciais e nomearam um governo de transição, atualmente liderado pelo presidente Serifo Nhamadjo.
Paulo Gorjão analisa os motivos por trás da forte resistência dos militares guineenses a uma reforma das Forças Armadas: "Sobretudo quem está contra é parte da antiga geração dos militares, alguns deles ainda do tempo da guerra da independência contra Portugal. Muitos deles são quem ainda têm o poder nas Forças Armadas e, obviamente, são os mais velhos, os mais respeitados, que têm a legitimidade da guerra da independência", constata o analista português. Para Gorjão, será exatamente grande parte dessa geração de militares muito mais velhos a ser afastada das fileiras militares neste processo da reforma do setor de segurança.
A Força Aérea guineense é um exemplo do que pode acontecer se não houver tal reforma: ela continua a existir na íntegra apesar de não ter aviões de combate operacionais há anos.
Histórico de instabilidade
Entre os golpes dos últimos anos estão os assassinatos em 2009 do ex-presidente “Nino” Vieira e do chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, Tagme Na Waie. Até hoje, as duas mortes estão ainda por esclarecer. Segundo informações da agência de notícias France Presse, o líder do ataque de domingo passado, Pansau N’Tchama, terá também comandado a unidade militar que matou o presidente “Nino” Vieira.
Em abril de 2010, os militares afastaram o então chefe das Forças Armadas, o general Zamora Induta, e prenderam o primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior durante várias horas.
Noutros países, os militares que se insurgem seriam despromovidos, afastados dos seus postos ou levados a tribunal. Mas isso não acontece na Guiné-Bissau: o líder da rebelião, António Indjai, foi promovido a novo chefe das Forças Armadas. Isso terá incentivado outras tentativas de golpe de Estado – Indjai é tido como o mentor do golpe de Estado de abril de 2012, que foi bem sucedido.
Impunidade do tráfico de drogas
Além dos militares, também os traficantes de drogas latino-americanos parecem gozar da impunidade. Considera-se que, juntamente com militares e políticos da Guiné-Bissau, estes comerciantes de entorpecentes ilegais transformaram o país em placa giratória da cocaína entre a América Latina e a Europa.
O diretor do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), Yuri Fedotov, acusou em julho deste ano diante do Conselho de Segurança da ONU que o tráfico de drogas na África ocidental aumentou nitidamente em 2012: "Para a UNODC, a situação na Guiné-Bissau continua a ser uma grande preocupação. Tememos principalmente a ligação entre setores das Forças Armadas e o tráfico de drogas. Na Guiné-Bissau, existe uma cultura da impunidade que impede que o comércio ilegal de drogas seja combatido de forma eficiente", alertou Fedotov.
Além dos problemas criados pelo tráfico, a Guiné-Bissau também é palco de tensões étnicas. Há vários anos, a dominância do grupo Balanta, é considerada problemática. Os Balanta representam cerca de um quarto da população, mas constituem a maioria das Forças Armadas.
Autor: Johannes Beck/Guilherme Correia da Silva/LUSA/AFP
Edição: Renate Krieger/António Rocha