Gâmbia: a sombra do passado
14 de março de 2017Quando Yahya Jammeh assumiu o poder na Gâmbia através de um golpe de Estado, há 23 anos, deu ordens aos serviços secretos do país para reprimirem os críticos e inimigos do regime.
Entre eles estavam jornalistas, gays, lésbicas, transgéneros e opositores políticos. Jammeh acreditava que todos, sem excepção, violavam as normas culturais e religiosas tradicionais da Gâmbia. Por isso, muitos cidadãos da Gâmbia acabaram por fugir e viver no exílio.
Durante 23 anos, a Gâmbia tornou-se num dos países africanos com as mais altas taxa de emigração, apesar de ter uma população de pouco mais de um milhão e meio de pessoas. Ninguém falava sobre política com ninguém, porque o receio da delação era eminente.
Prisão e tortura
Madi Ceesay é jornalista e trabalhou para o jornal gambiano "The Independent". Tanto ele como os colegas criticaram o Governo diversas vezes. O jornal acabou por ser encerrado e todos os membros da equipa editorial foram presos. Ceesay, que era editor-chefe, foi levado para uma das prisões dos serviços secretos gambianos. Lá, foi espancado e torturado. "Foi uma experiência horrível. Estive lá três semanas”, conta. "Bateram-nos duas vezes. Entravam nas celas a meio da noite, quando estávamos a dormir, e batiam-nos, com a cara tapada.”
O Governo queria saber exatamente para quem Madi Ceesay trabalhava. Naquela época, há 11 anos, o Executivo de Jammeh estava convencido de que os jornalistas eram pagos por beneficiários estrangeiros para desestabilizar o regime. Desde a libertação, Ceesay vive assombrado pelas lembranças traumáticas dessa provação e só deseja um regime judiciário justo e imparcial.
Uma nova Gâmbia
23 anos depois de Jammeh ter chegado ao poder, o desejo de Ceesay pode tornar-se realidade. As primeiras eleições democráticas da Gâmbia foram ganhas por Adama Barrow, um homem que emergiu como líder vitorioso de uma aliança de partidos da oposição que uniram forças para expulsar Yahya Jammeh.
Agora que Barrow está no poder, os gambianos esperam recuperar uma vida sem medos. Mas, durante 23 anos, muitas pessoas desapareceram sem deixar rasto. Há milhares de crimes por esclarecer e centenas de famílias à espera de explicações.
A tarefa de descobrir os factos por detrás de décadas de perseguição política na Gâmbia vai ser conduzida pelo Ministério da Justiça. O novo ministro, Aboubacarr Tambadou, está a dar prioridade à criação de uma comissão de verdade e reconciliação. Acredita que esta comissão "facilitará o processo de regeneração social, onde os perpetradores e as vítimas se sentarão juntos e conversarão sobre as suas experiências, as suas dores e as suas tristezas para encontrar um caminho a seguir para viver como comunidade e como sociedade”.
O titular da pasta da Justiça está a estudar o trabalho feito noutros países que fizeram a transição para a democracia após anos de guerra e ditadura. Na África do Sul, por exemplo, depois de décadas de apartheid, o Presidente Nelson Mandela concedeu amnistia aos perpetradores na condição de assumirem os seus erros. A prioridade não era a punição, mas sim a reconciliação entre os diversos grupos étnicos.
Governo pede paciência
Poderia o modelo da África do Sul funcionar na Gâmbia? Aboubacarr Tambadou diz que as autoridades ainda estão a estudar a questão. O contexto cultural e histórico da Gâmbia é diferente do sul-africano e o ministro da Justiça afirma que não se pode simplesmente adoptar o modelo de outro país.
Ainda assim, Tambadou quer começar a trabalhar antes do fim do ano. Inicialmente, as vítimas serão convidadas a relatar as suas experiências perante a comissão. Mas as investigações preliminares só serão conhecidas após dois anos. Tambadou pede que os gambianos sejam pacientes. Muitos acreditam que a rápida transformação política no país vai levar a mudanças igualmente rápidas noutros setores.
"Estamos a trabalhar muito para isso, há muita expetativa, mas também muita impaciência dos gambianos que votaram por esta mudança. Isso é compreensível, mas também estamos a tentar fazê-los perceber que a reforma não vai acontecer durante a noite ou simplesmente apenas porque há um novo Governo”, sublinha o ministro da Justiça.