HRW: situação “é chocante” na Guiné Equatorial
15 de junho de 2017"Nada me preparou para o que vi, foi chocante". É desta forma que a investigadora da Human Rights Watch (HRW) que elaborou o relatório sobre a Guiné Equatorial, divulgado esta quinta-feira (15.06), resume a sua visita ao mais recente membro da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) e da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP).
Em entrevista à agência Lusa, Sarah Saadoun considera que a situação no mais recente país da CPLP é "mais chocante do que aquilo que os críticos descrevem". Como exemplo, aponta os "enormes palácios presidenciais e outros da família do Presidente ao lado de bairros sem água potável, e com aspeto totalmente negligenciado, e os hospitais completamente impreparados".
"Há um aeroporto gigante, há um estádio de futebol enorme e depois não há uma escola secundária sequer", diz Saadoun, criticando o estado de degradação das escolas, visível nas fotografias que a HRW colocou no seu site.
A investigadora afirma que não teve contacto com o Governo da Guiné Equatorial porque as autoridades não responderam aos pedidos de contactos da HRW.
Para Sarah Saadoun, "o país precisa urgentemente de mudar o ambiente de negócios para ser mais transparente e atrair mais Investimento Direto Estrangeiro, por um lado, e tem também de investir tremendamente na saúde e na educação para preparar os jovens para a economia pós-petrolífera".
O petróleo na Guiné Equatorial representa a quase totalidade das receitas fiscais e das exportações, mas a produção está longe do pico de há cinco anos, ficando-se agora abaixo dos 300 mil barris de petróleo por dia e a produção, se não forem descobertos novos poços, terminará em 2035.
Relatório mostra provas de corrupção no país
No relatório divulgado esta quinta-feira, a Human Rights Watch fala em provas de corrupção na família do Presidente da Guiné Equatorial e salienta que o país tem pouco tempo para usar o dinheiro do petróleo para combater a pobreza. "A HRW encontrou provas de que os principais dirigentes do Governo têm interesses em empresas públicas que recebem contratos de construção, incluindo o Presidente e a sua família", lê-se no relatório sobre a Guiné Equatorial, divulgado em Paris.
No documento de 85 páginas, o primeiro da HRW feito esta década sobre o mais recente membro da CPLP, a autora, Sarah Saadoun, escreve que "o subfinanciamento da saúde e educação mostra um contraste gritante com os gastos extravagantes em projetos de infraestrutura em larga escala, muitos dos quais têm uma utilidade social questionável e arriscam potenciar a corrupção e má gestão".
O relatório dá vários exemplos de indícios que apontam para corrupção. Entre eles está o facto de um construtor italiano, Roberto Berardi, dizer numa declaração oficial que foi obrigado a fazer um consórcio com o atual vice-presidente e filho do Presidente da Guiné Equatorial, "cuja única função era garantir subcontratos de projetos públicos lucrativos atribuídos à ABC Construction, uma empresa pelo menos parcialmente detida pela primeira-dama".
Além dos casos de corrupção, o documento traça também um quadro negro relativamente às prioridades de investimento do Governo liderado pelo Presidente da República, Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, desde 1979. "Este relatório mostra como o Governo da Guiné Equatorial esbanjou a promessa possibilitada pela descoberta de petróleo, ao subfinanciar de forma grosseira as políticas sociais e gastar demasiado em projetos de infraestrutura polvilhados de corrupção e que são um desperdício", lê-se no sumário executivo.
Sobre a gestão do Governo, a HRW diz que a saúde e a educação são as áreas mais subfinanciadas e que o acesso a estes dois serviços básicos é praticamente impossível, não só pelas condições de muitas escolas, mas também porque os preços cobrados pelos cuidados de saúde são proibitivos para os equatoguineenses.
HRW recomenda investigação
A organização de defesa dos direitos humanos recomenda ao Fundo Monetário Internacional, ao Banco Mundial e aos governos com atividade na Guiné Equatorial quen investiguem a origem dos fundos para combater a má gestão. No relatório sobre a Guiné Equatorial, o primeiro desta década, a HRW faz uma série de recomendações aos organismos internacionais, destacando-se a necessidade transversal de investigar a origem dos fundos e a transparência nos indicadores. "A HRW recomenda ao FMI que inclua os gastos com a saúde e a educação, bem como análises e recomendações sobre a gestão financeira dos dinheiros públicos", no relatório anual sobre a economia dos Estados-membros, o conhecido Artigo IV, lê-se no documento.
A HRW recomenda também ao FMI "que não inclua dados sociais pouco fidedignos e que explique as preocupações metodológicas com os dados", além de pedir ajuda na "implementação de transparência no Orçamento do Estado" e no estabelecimento de um Tribunal de Auditores independente, com o poder de definir a responsabilização financeira.
Ao Governo da Guiné Equatorial, a HRW faz uma série de recomendações que essencialmente reclamam mais transparência, responsabilização e análise detalhada das contas, bem como "investigações credíveis e independentes às acusações de usurpação de fundos púbicos".
Além de defender a efetiva implementação da lei que garante acesso à educação e aos cuidados de saúde, a HRW quer também que o Governo de Obiang garanta a liberdade de expressão e imprima mais transparência à vida pública, nomeadamente aderindo à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e à Convenção sobre a Prevenção e o Combate à Corrupção, da União Africana.