Insurgência: Brutalidade contra igreja é isca para apoios?
23 de abril de 2020"Naquele dia do ataque à missão católica do sagrado coração de jesus, na verdade, eles já haviam atacado sete aldeias e infelizmente na aldeia de Chitachi foram mortas mais de 50 pessoas, 52, segundo as Forças de Defesa e Segurança (FDS). Já sabíamos que era um número grande, mas agora a própria polícia e as FDS admitiram que são 52 pessoas mortas. Então, isso foi o pior de tudo, a vida das pessoas. Eles entraram, sim, na igreja católica do sagrado coração, a segunda mais antiga missão aqui da diocese de Pemba, e ali queimaram bancos e uma imagem da nossa senhora, queimaram a imagem do sagrado coração, mas eu considero isso nada diante das vidas pessoas. Isso é o mais triste, têm morrido muitas pessoas, já são centenas e centenas de pessoas mortas com essa maldita guerra", relata o bispo de Pemba, dom Luíz Fernando Lisboa.
A ação armada dos insurgentes aconteceu na última semana, na província nortenha de Cabo Delgado. Este é o primeiro ataque que os homens armados, que usam o Islão para justificar as suas ações, efetuam contra interesses de uma outra religião na região em mais de dois anos de incursões armadas.
Preocupação
"Nunca até essa altura tinham feito ataques a instituições religiões e fizeram-no justamente contra a missão católica de Nangololo. E a forma como vandalizaram e profanaram a missão é preocupante. A partir dessa altura deixei de os chamar de insurgentes e passei a chamá-los terroristas", comenta o diretor do Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD), Adriano Nuvunga.
Até à semana passada, para os moçambicanos atos semelhantes eram realidades que só chegavam de países como a Nigéria, onde opera o grupo radical Boko Haram. Por isso, o diretor do CDD diz: "Vejo com muita preocupação, porque tudo quanto se discutia até agora era que se tratava de insurgência militar que tinha uma preocupação de estabelecimento de origem jihadista que pretendia estabelecer um Estado Islâmico, que lutava contra os símbolos do Estado e todas as marcas que foram deixando nos sítios por onde atacaram que mostravam muito virulência em relação aos símbolos do Estado."
Atirar areia aos olhos ou falta de identidade?
Representará este ato desrespeitoso um marco do extremar de violência dos atacantes? Calton Cadeado é especialista em paz e segurança e entende que "esse ataque a igrejas serve para justificar as suas ações, estão a usar a bandeira do Estado Islâmico (EI) como instrumento de busca de apoio internacional. Não é estranho que desde que começaram os ataques só agora é que comecaram a atacar as igrejas? É por isso que tem três nomes: Al Suna, EI e Al-shabab, isso intencionalmente para atrapalhar ou ainda não tem identidade própria. O Al-shabab não lhes passou cartão, apesar de dizerem que há um tipo da Somália envolvido, mas o EI parece estar a passar cartão. Então, para justificar o apoio precisam de usar violência brutal e depois colocar a componente religiosa, ganhar uma dimensão extremista."
Já para Nuvunga torna-se difícil fazer uma leitura clara das intenções dos insurgentes: "Vejo o caso agora com sinais difusos, penso que o padrão que se estava a desenhar, que permitia compreender a tendência e orientação, começa a ficar perdido um pouco e fica a ideia de que se trata de terroristas que têm uma agenda, que podem estar a utilizar a agenda do EI para fazer isso, mas parece que estamos diante de um assunto um pouco mais complexo que pode ter outro tipo de motivações e ramificações e raízes que se escondem por detrás do EI que ainda estão por se desvendar."
FRELIMO já fez igual...
Contudo, os atos dos insurgentes que hoje são considerados como terrorismo por vários setores já foram cometidos pela FRELIMO durante a luta de libertação contra o colonialismo português, recorda o diretor do CDD: "Mas isso acontece cerca de 57 anos depois do que aconteceu no início da luta de libertação nacional, quando guerrilheiros da FRELIMO atacaram a missão de Nangololo, 57 anos depois a história se repete, mas agora de forma completamente problemática".
E nesta quarta-feira (22.04), o Conselho da União Europeia (UE) manifestou "preocupação" pela "deterioração contínua" da situação humanitária e de segurança em Cabo Delgado, exortando as autoridades a investigarem para punir "os infratores". O organismo manifestou ainda "a disponibilidade da UE para encetar um diálogo a fim de determinar opções eficazes de assistência e apoiar a cooperação transfronteiriça relevante entre Moçambique e os seus vizinhos".