Jurista exige investigação independente na cadeia de Maputo
18 de junho de 2021O antigo bastonário da Ordem dos Advogados de Moçambique, Gilberto Correia, defende que tendo em conta a dimensão criminal do caso de suposta exploração sexual de reclusas na cadeia feminina de Ndlavela, em Maputo, o Governo, através do conselho de ministros, deveria indicar a comissão de inquérito, envolvendo outros ministérios, mas sem inclusão do Ministério da Justiça por este estar em conflito de interesse.
Em entrevista à DW, o advogado entende ainda que a inclusão da sociedade civil nas investigações é um bom passo, mas espera que "não sejam indivíduos que são políticos transvestidos de sociedade civil".
DW África: O que pode nos dizer sobre as investigações de supostos abusos sexuais de reclusas na cadeia feminina de Ndlavela, em Maputo?
Gilberto Correia (GC): Seria bom que o Ministério da Justiça não fizesse parte da investigação, porque está em nítida posição de conflito de interesses. O Ministério da Justiça é o ministério de tutela das cadeias, no entanto, tudo que correr mal nas cadeias, de alguma forma, é de responsabilidade do Ministério da Justiça. Como o é da sua responsabilidade tudo o que correr bem. Nós tememos que para não se auto flagelar a si próprio, não traga toda a realidade que é necessária trazer nesta questão. E não quero dizer que a ministra e seus quadros não o façam na verdade, mas acho que a primeira medida de transparência que deveria tomar seria, não ser a ministra a falar primeiro da Comissão de Inquérito. O assunto pela sua natureza deveria sair da jurisdição do Ministério da Justiça e ir para o próprio Governo, enquanto Executivo da República de Moçambique, a determinar isso. Não o próprio ministério a fazer a investigação.
DW África: Ou seja, era preciso que o próprio Governo se posicionasse como um sinal de que o assunto não é apenas do Ministério da Justiça, mas sim de todo o Governo?
GC: Sim é um assunto que mexe com todo o Governo. Nós vimos também o Ministério do Interior muito envolvido na investigação. Sempre, por exemplo, que se fala da polícia é uma opacidade muito grande onde as coisas nunca são conhecidas. Isto demonstra que é um discurso político virado à emancipação das raparigas, mas de facto, casos como estes e outros que não são investigados mostram claramente que temos um grande caminho a percorrer neste capítulo de defesa da dignidade da mulher contra abusos de poder.
DW África: Segundo os relatos da Centro de Integridade Pública (CIP) percebe-se que é um assunto que envolve altos quadros da cadeia...
GC: Isto não é novidade para ninguém que a polícia nas penitenciárias, e outros ramos da polícia e noutras cadeias, soltam presos para irem cometer crimes. Já houve vários casos, muita gente que é burlada através dos telemóveis, a dizer que são pessoas dos bancos etc…quando se persegue aqueles números verifica-se que aqueles nomes vão dar à cadeia de massiva segurança, vulgo BO. De facto, há elementos para que os presos sejam soltos, mas é necessário o envolvimento de indivíduos de uma hierarquia que podem tomar decisões dessas, que podem garantir alguma impunidade. Mais do que isso, cobravam 30 mil meticais para a saída dessas pessoas. Quem poderia pagar 30 mil meticais também não são indivíduos de fraca posse. Quem pode pagar 30 mil meticais por favor sexuais? Quem eram os beneficiários disso? Quem é que poderia sentir-se seguro que a usar as prisioneiras para crimes sexuais sem que tivesse segurança de que não chegaria ao conhecimento público ou seria objeto de investigação? Então, verificamos logo pelos indícios quem são indivíduos com poder, com capacidade financeira para organizar uma rede dessas para explorar mulheres que estão em situação desfavorável e que podem ser manipuladas criminosamente desta maneira.
DW África: Neste caso, a Comissão criada tem muito trabalho para trazer ao público toda a rede envolvida?
GC: O facto de incluir a sociedade civil é um passo muito importante. Agora, nós conhecemos o nosso país é natural que estejamos desconfiados de tudo, mas as coisas têm de ser feitas. Espero que seja mesmo uma verdadeira sociedade civil e não como muitas das vezes acontece nas eleições da CNE, onde vimos indivíduos políticos transformados em sociedade civil. Se for assim, já sabemos também qual é o resultado. O que a sociedade moçambicana quer é que a verdade venha de cima e sirva de uma punição exemplar para efeitos preventivos.