Liga dos Campeões, a menina dos olhos de ouro
18 de outubro de 2018São milhões de euros em jogo. De cada vez que os holofotes se acendem para um encontro da Liga dos Campeões, abrem-se também os cofres da UEFA para compensar financeiramente os intervenientes. A glória da maior competição mundial de clubes não se atinge apenas com os resultados, mas estes ajudam a rechear orçamentos e a aumentar clivagens entre os principais emblemas do velho continente.
Na Alemanha, em Inglaterra, em França, em Espanha ou em Itália, países que organizam as principais ligas de futebol, a competição é feroz pela obtenção dos lugares de acesso à Champions League. Os clubes mais cotados sabem que não se trata apenas de motivar os adeptos. Trata-se, sobretudo, de estabelecer diferenças que, depois, serão difíceis de atenuar, entre a capacidade financeira de um emblema europeu e a da concorrência doméstica. É o fascínio que ultrapassa as quatro linhas.
Aumento de 20% nos prémios para os clubes
A UEFA é generosa na distribuição de uma parte importante das receitas e, para esta temporada, aumentou os prémios de presença e de desempenho em cerca de 20%. Pelo apuramento para a fase de grupos da Liga dos Campeões, o organismo de tutela paga 15 milhões de euros, o que representa, para os 32 clubes envolvidos, uma soma na ordem dos 480 milhões.
Mas são os prémios por resultados desportivos que mais oneram o orçamento da competição: uma vitória vale 2,7 milhões de euros, e um empate 900 mil. Por outro lado, as dezasseis equipas que passam aos oitavos-de-final embolsam 9,5 milhões, e as oito que prosseguirem em prova, para os quartos-de-final, acrescentam 10,5 milhões aos ganhos. Chegar às meias-finais significa um prémio de 12 milhões de euros e, na final, o campeão europeu recebe mais 19 milhões, contra 15 do finalista vencido. Resumindo: o vencedor da liga milionária de 2018/2019 terá muitos motivos para sorrir, e não apenas no capítulo desportivo. Os seus cofres terão entretanto enriquecido 81 milhões de euros.
Os principais clubes europeus contam, nas suas projeções orçamentais para cada ano desportivo (de 1 de julho a 30 de junho do ano seguinte), com significativas receitas provenientes da participação nas competições internacionais. A UEFA, rigorosa nos processos de licenciamento de clubes para admissão nas suas provas e extremamente profissional na respetiva organização e planeamento, olha agora também para o "fair play" financeiro como elemento essencial da arquitetura das suas provas.
Os limites de investimento estabelecidos em relação aos exercícios económicos resultam, porém, em contraciclo com a sua própria "generosidade": prémios de largas dezenas de milhões de euros para os clubes desportivamente mais bem sucedidos acentuam as diferenças e moldam capacidades de investimento e de presença no mercado muito distintas entre emblemas de um mesmo país.
Consumo de futebol será preferencial nas plataformas
A Liga dos Campeões, mais do que a Liga Europa ou a recentemente criada Liga das Nações, é também o produto televisivo mais apetecível para os principais operadores internacionais. A lógica de um negócio simplificado entre uma estação de televisão nacional e a TEAM Marketing, a agência que trabalha em exclusividade com a UEFA em matéria de licenciamento de direitos de transmissão, já não existe.
Os "players" deste negócio são agora grandes grupos internacionais, distribuidores globais de conteúdos, que encaram o "produto futebol" (e, por maioria de razão, a Champions League) como o mais competitivo e gerador de receitas. Mas, mesmo neste campo, o paradigma tradicional da televisão linear está em mudança. Poucos são os canais públicos europeus de televisão que emitem a competição em FTA ("free-to-air"), sem quaisquer contrapartidas exigidas aos telespetadores.
Nos principais mercados nacionais europeus prevalece o sistema de "pay per view” (canais codificados com distribuição por cabo) e, agora, o jogo volta a evoluir: entramos na era do "content streaming", isto é, da negociação direta entre distribuidor e consumidor final (telespetador), de conteúdos segmentados para visualização em plataformas. Trocando por miúdos: qualquer um de nós vai, muito em breve (já o pode, de resto, fazer em alguns países), comprar o que quer ver, selecionar o jogo que pretende seguir e negociar diretamente com a plataforma de conteúdos correspondente.
Acentuam-se diferenças, aumentam desigualdades
Ora toda a dinâmica empresarial e de negócio resultante destes novos dados vai mudar o modo como a UEFA vê o seu "core business". Se é verdade que, do ponto de vista do adepto e consumidor final do produto, o caminho é mais rápido e mais conveniente (compra direta e visualização imediata, em qualquer local), também parece certo que, para os grandes meios "tradicionais" - muitas das principais cadeias de televisão mundiais - as dificuldades vão aumentar, numa dupla vertente: maiores problemas em rentabilizar o investimento num produto que pode chegar de modo mais imediato ao consumidor e patamares de negociação financeira com valores, há alguns anos, dificilmente imagináveis.
Neste mega-negócio do futebol internacional talvez ganhem os telespetadores. Mas vão, seguramente, ganhar os principais clubes, cuja capacidade de investimento e de presença no mercado será cada vez maior, aniquilando concorrências internas e acentuando desigualdades. No campo e fora dele.