Luanda: Manifestantes relatam brutalidade policial
24 de outubro de 2020Um dos membros do Movimento Jovens Pelas Autarquias confirmou à DW África que pelo menos 20 pessoas encontram-se detidas em Luanda. Entre estas estão o secretário-geral da Juventude Unida Revolucionária de Angola (JURA), braço juvenil da UNITA, Agostinho Kamuango, o secretário da JURA em Luanda, Daniel Ekundi, o presidente do Movimento Estudantil de Angola (MEA), Francisco Teixeira, além de Wilson Cativa e Domingos Epalanga.
De uma esquadra, localizada na Vila Alice, chegam relatos de um dos 12 detidos naquela unidade de que estará a ser submetido a "fortes torturas".
O protesto deste sábado (24.10) terminou em confronto com as forças policiais e agentes das Forças Armadas Angolanas (FAA) em Luanda.
Alguns dos participantes da manifestação que exigiu a realização das autárquicas e melhores condições de vida para os angolanos, relatam um clima de terror antes, durante e depois da manifestação.
Repressão nas primeiras horas do dia
Os manifestantes acusam a Polícia Nacional de Angola (PNA) de ter torturado e disparado balas reais contra os cidadãos que recusaram acatar as recomendações do Decreto Presidencial sobre o Estado de Emergência, publicado na noite de sexta-feira (23.10) e que agravou as medidas de segurança sanitária, impedido o ajuntamento de mais de cinco pessoas na via pública.
A Polícia Nacional de Angola esteve nas ruas da capital angolana nas primeiras horas do dia, momento em que terá feito as primeiras detenções.
Os largos do Cemitério da Santana e do 1º de Maio, locais marcados para a concentração e término do protesto, estiveram sob controlo dos efetivos da polícia e das Forças Armadas Angolanas (FAA).
O deputado da UNITA, Nelito Ekuikui, disse ter sido agredido pela polícia e afirmou ter sido retido durante cerca de uma hora, acusando as autoridades de "uso excessivo da força" e de estarem a cometer uma ilegalidade.
Uso de balas reais
Em declarações à DW África, o jovem Luston Mabiala, um dos manifestantes, afirma que foi agredido juntamente com os seus companheiros.
O jovem diz que viu a polícia a disparar balas reais e gás lacrimogéneo na região onde havia cidadãos indefesos a exercerem atividade de venda ambulante.
"Fomos agredidos fisicamente e de imediato fomos escorraçados da via pública e empurrados nos becos do bairro que eu desconheço. Somente lembro que foi nas imediações do Mercado dos Congoleses. Resistimos à pressão da polícia e regressamos novamente ao mercado, onde fomos surpreendidos por uma centena de polícias armados das unhas até aos dentes que começaram logo a disparar à queima roupa", relatou o jovem.
Mabialia afirma que, devido à brutalidade policial, teve que se esconder numa das residências localizada nas imediações do Mercado dos Congoleses, distrito urbano do Rangel.
"A senhora, muito aterrorizada com os disparos efetuados pela Polícia Nacional, começou a pressionar-me a deixar o espaço com medo da represália policial caso descobrissem a minha presença", descreveu o manifestante em conversa com a DW horas depois da dispersão da manifestação.
A agressão das forças de segurança motivou a reação dos manifestantes que queimaram pneus no meio das estradas e arremessaram pedras contra os agentes que tinham a missão de impedir a manifestação.
Uma vendedora ambulante que não se identificou, disse ter visto um polícia em chamas, devido ao fogo ateado à sua motorizada. "Não sei se ele vai sobreviver, porque caiu com a mota em chamas", relatou.
Agredido até perder os sentidos
O organizador da manifestação, Dito Dalí, foi outra vítima da brutalidade da polícia angolana. O jovem ativista chegou a desfalecer depois de ser agredido por mais de uma dezena de agentes.
Dito Dalí diz que o protesto visava somente exigir, de forma pacífica, a implementação das autarquias em todos os 164 municípios angolanos.
"Pretendíamos apenas exigir que o Presidente João Lourenço marque a data das eleições autárquicas. Angola está atrasada 45 anos, desde que se tornou independente. Por isso, acho que é necessário que o Presidente esteja preparado para partilhar o poder, para que Angola esteja ao mesmo nível de desenvolvimento com os outros países", avaliou.
O ativista considera que o Governo utilizou a pandemia como "desculpa" para impedir o protesto. "O argumento deles foi de que, face ao aumento de casos da Covid-19, está proibida a aglomeração de mais de cinco pessoas. Mas vimos nas paragens de táxis muita gente aglomerada. Isso mostra que o objeto do decreto era exatamente proibir a realização da manifestação", disse Dito Dalí, que também está a apurar o relato de duas mortes.
Jornalistas desaparecidos
Também o diretor do Jornal Nova Gazeta e da Rádio Essencial, Evaristo Mulaza, disse à DW que quatro dos seus funcionários encontram-se, até ao momento, detidos. São eles Suely de Melo, Carlos Tomé e Santos Samuesseca além de Leonardo Fautino, este motorista dos dois órgãos que pertencem ao mesmo grupo de comunicação.
"Foram detidos enquanto tentavam cobrir a manifestação. Foram retirados das viaturas e inclusive, uma das viaturas está desaparecida, porque os jornalistas foram retirados da forma bruta da viatura e nem foram a tempo sequer de desligar a viatura. Tiveram de abandonar a viatura na rua. Neste momento, temos também a viatura desaparecida", denuncia.
Entretanto, o porta-voz da Polícia em Luanda, Nestor Goubel, disse que a corporação ainda não tem o balanço operativo para esclarecer a razão da sua atuação ou mesmo sobre os relatos de possíveis mortes. O oficial da polícia nega também a detenção de jornalistas que estava a cobrir a manifestação.
"Não há jornalistas detidos. Houve uma situação um pouco incorreta de alguns jornalistas. Eu mesmo os encaminhei, mas não estavam detidos", afirmou.