Luaty Beirão: Importante é "processo transparente"
19 de agosto de 2017O ativista angolano, Luaty Beirão, concedeu uma entrevista exclusiva à DW África, este sábado (19.08), em Luanda. Na conversa, Beirão conta quais são as suas expectativas para as eleições gerais da próxima quarta-feira (23.08), comenta rumores políticos em torno do pleito e fala sobre os desafios que o sucessor de José Eduardo dos Santos irá enfrentar na Presidência de Angola, nomeadamente a corrupção.
DW África: Quais as suas expectavitas para as eleições gerais da próxima quarta-feira?
Luaty Beirão (LB): A nível de organização, aparentemente, de capacidade de promover um processo realmente transparente, a capacidade aumentou muito de 2008 para 2012. Só que a vontade não aumentou. Estamos a ver todo o tipo de manobras – colocar eleitores a votar em sítios distantes de suas residências, alguns noutras províncias – o mesmo que já aconteceu em 2012. Mais uma vez, estamos a ver que há uma incapacidade por parte das outras forças vivas da sociedade de se prepararem para estar à altura desse desafio. Então, estou a ver o filme a repetir-se.
DW África: Quando falamos com os jovens e com as pessoas, eles exigem mudança. Mas quando chega o dia do anúncio dos resultados, ganha o mesmo partido?
LB: É isso que se prevê. Mas, para mim, o mais importante não é que as pessoas queiram mudança. O mais importante é que o processo de escolha seja transparente. Que haja um vontade por parte dos órgãos que organizam as eleições, de não mias haver essas dúvidas, essas suspeitas. Mas quando a gente vê um mês de propaganda furiosa na imprensa a favor de um partido determinado, a pessoa que vai votar já esteve sujeita a tão mais informação sobre um partido em relação aos outros, que essa escolha já está condicionada.
DW África: Alguns angolanos dizem que se o cabeça-de-lista do MPLA, João Lourenço, ganhar, não vai ser ele quem vai governar. Concorda?
LB: Enquanto tivermos um Presidente da República que vem a reboque de um partido – porque quem é eleito é o partido – e o partido tem um outro presidente e os deputados da Assembleia são do partido, quem vai mandar mais? É isso que suscita esse tipo de teorias, de que o João Lourenço vai ser uma marionete. Eu acredito que, no início, ele deixe-se fazer um mucadinho. Mas também acredito que ele há de ter ideias que quer ver a funcionar. Mas, se calhar, seria urgente que ele passasse a ser presidente do MPLA também.
DW África: Outra tese, a oposição – nomeadamente o líder da UNITA, Isaías Samakuva – tem medo de vencer, porque se vencesse o país desmoronaria. O Samakuva quer ganhar?
LB: Vamos ver uma coisa, se alguém ganha e tem Isabel dos Santos como PCA da Sonangol e Zenú dos Santos como presidente do Fundo Soberano, se não mexe imediatamente nisso, está amarrado. Depois, essa gente que teve acesso aos fundos públicos durante tanto tempo, que pôs o país a saque e que pôs milhares de milhões de dólares no estrangeiro, vai condicionar seguramente a forma [de governar] de quem vier a seguir, seja quem for. As teorias aparecem por essa razão. Qualquer pessoa que queira governar este país vai ter dificuldades em fazê-lo convenientemente, a mesmo que tenha o beneplácio desses que roubaram dinheiro durante anos e anos. Agora, cabe aos partidos da oposição mostrar e convencer as pessoas do contrário, porque estamos a sentir uma apatia imcompreensível.
DW África: Quando o José Eduardo dos Santos deixar de ser Presidente, o que acontecerá com os seus familiares? Eles estarão com medo?
LB: Não quero afirmar taxativamente. Imagino que exista algum tipo de receio. Aliás, há sinais que mostram esse nervosismo. Mas não sei até que ponto estão assustados ou com medo. E se a oposição não reage adequadamente, acho que este medo ainda está um pouco limitado – porque eles [os familiares] sabem que têm o controlo da situação. O grande problema é que José Eduardo criou esta situação em que um país fica refém de uma figura única. Isso é insustentável. Não temos que viver com medo do que vai acontecer a seguir. Tem que ser natural, o país vai continuar. A compreensão de que o país não pode ficar refém de uma pessoa, tem que incluir a percepção de que é preciso acomodar os medos dessas pessoas, de certa maneira. Precisamos, sim, de conciliação. Acho que precisamos de perceber que, se não gerirmos os medos daqueles que lá estão agora e que não querem perder o que têm, essas pessoas vão fazer de tudo para continuar aí – incluíndo usar o exército, se for preciso.
DW África: Como encara o apelo de João Lourenço de que, as pessoas que levaram dinheiro para fora do país, que o tragam de volta para Angola?
LB: Parece-me só campanha, porque as pessoas que levaram dinheiro para fora de Angola são da equipa deles [do MPLA]. A gente vê os escândalos diários de milhões e milhões, às vezes transportados até em caixas de sapatos, e são sempre eles envolvidos. Então, o que é esse apelo em campanha? Está a apelar para o seu próprio grupo. Não sei que tipo de efeito isso pode ter ou como vai ser interpretado internamente. Não sei se ele acabou de enfiar uma pedra no próprio sapatou ou não. Tento pôr-me no lugar deles. Se eu estivesse no lugar deles, com a minha fortuna e com o receio do que possa acontecer com ela, provavelmente haveria de a pôr fora também.