Lusofonia leva tabus aos ecrãs de Berlim
16 de fevereiro de 2012Nos ecrãs da internet, diversos críticos bombardearam com elogios o terceiro filme do realizador português Miguel Gomes. "Tabu" estreou na competição principal do Festival Internacional de Cinema de Berlim, a Berlinale, na quarta-feira (15.02), e teria reais chances de ser premiado com o Urso de Ouro, maior galardão do festival, no sábado (18.02).
"Ficaria surpreso se o Festival apresentasse outro filme melhor que Tabu", escreveu em seu blog Beames on Film o jornalista britânico Robert Beames, que descreveu a coprodução entre Portugal, Brasil, Alemanha e França como um filme "engraçado, bizarro, imaginativo, único e emocional de forma a eriçar os pelos da nuca".
Cronologia inversa divide filme em dois momentos
"Tabu" usa diversas técnicas e recursos de imagens – como a película em preto e branco, narrativa em off, cinema mudo e narração cronológica inversa – para contar a história de Aurora (Laura Soveral), que viveu em África nos anos 1960, durante o período colonial.
O filme começa pelo fim – da vida de Aurora (Laura Soveral), que vive em Lisboa e vive a se desentender com a empregada negra. Aurora também recebe visitas ocasionais da vizinha, Pilar (Teresa Madruga). Pouco antes de morrer, Aurora revela a Pilar o nome de um homem que quer que a vizinha encontre.
Passa-se então ao segundo momento do filme, "totalmente diferente", segundo escreveu o crítico alemão Patrick Wellinski no blog do jornal Die Zeit dedicado à Berlinale. Cerca de 50 anos antes, numa colónia portuguesa em África, começa um "filme de aventuras" e uma trágica história de amor aos pés do Monte Tabu: o jovem Gian Carlo Ventura (Carloto Cotta) se apaixona pela jovem Aurora (Ana Moreira), herdeira de uma fortuna colonial e casada com personagem interpretado pelo brasileiro Ivo Müller. Apesar de grávida do marido, Aurora acaba por ter um caso com Ventura e vive o drama de escolher ficar com ele ou com o marido.
"É o momento que o até então maravilhoso filme em preto e branco utiliza para se tornar um filme mudo. Apenas uma voz grave e melancólica [do velho Ventura (Henrique Espírito Santo)] narra algumas passagens para enquadrar os acontecimentos e contar a história da jovem Aurora", elogia o alemão Wellinski.
"O filme trata da memória das coisas que vão desaparecendo", disse o realizador Miguel Gomes, em entrevista à DW África. "Há alguém que morre na primeira parte do filme e isso origina uma segunda parte em que se vê uma sociedade que já não existe: uma colônia portuguesa em África", relatou.
Para Gomes, "Tabu" tem uma aproximação a um cinema que também já está extinto: o cinema mudo. Por isso, a ideia foi fazer essa aproximação, entre outros, através da película em preto e branco. "Por duas razões: achei que era o tom, de melancolia e tristeza, que eu queria ter no filme. Também [quis] trabalhar com qualquer coisa que, também ela, está à beira da extinção", disse Gomes.
Sucessão de tabus nos ecrãs da Berlinale
Em entrevista à DW África, o realizador Miguel Gomes disse que a produção, finalizada em 2012, coloca vários tabus em cena, lembrando igualmente a influência que o diretor alemão Friedrich Wilhelm Murnau (1888-1931), autor do conhecido filme Nosferatu, teve sobre Tabu.
"O primeiro deles [tabus] é chamar um filme de "Tabu", porque há um outro filme do diretor alemão Murnau chamado "Tabu", feito nos anos 1920. É um dos filmes mais bonitos e fantásticos que foram feitos na história do cinema", avaliou.
Outro tabu abordado por Gomes na película é o período colonial português. "Há um tabu que é abordar a questão colonial, mas fazer isso através do imaginário. E depois há os tabus todos da história, que vêm de um cinema de outros tempos, de um cinema de aventuras", explicou.
Para falar da história colonial portuguesa, Miguel Gomes preferiu fugir da abordagem histórica convencional. "Falo do lado disfuncional de haver uma história de amor, de uns amantes. Mas ela está grávida", explicou.
"Acho que há um paralelo com a própria dissolução, com a impossibilidade de se manter uma colônia, em termos políticos, nos anos 1960. Portugal foi o último país da Europa a declarar a independência [das colónias]. Isso só aconteceu depois do 25 de abril [de 1974], depois da Revolução [dos Cravos]. Foi muito tarde. Era obviamente uma coisa a prazo, tão a prazo como alguém que está a ter um romance enquanto já há oito meses espera um bebê", afirmou.
História de reserva indígena é "universal", diz diretor
Xingu é o representante do Brasil na mostra Panorama da Berlinale. O filme conta a saga dos irmãos Villas Bôas na luta pela preservação da cultura indígena no Brasil, até a fundação do Parque Nacional do Xingú, a primeira grande reserva indígena do país, no estado de Mato Grosso (centro-oeste).
O parque foi criado em 1961, mas as questões controversas envolvendo as populações indígenas continuam atuais e transcendem os limites do Brasil, disse o diretor Cao Hamburger, em conversa com a DW África. "Acho que o filme tem um assunto universal, que é a questão de como a nossa sociedade é agressiva, violenta e prepotente em relação a outras civilizações e ao planeta em si", criticou.
"Ainda vivemos com os parâmetros da Revolução Industrial de que tem que produzir e consumir. Para isso, a destruição do planeta está chegando a esse ponto", disse.
Durante as filmagens de Xingu, a equipe passou uma semana no parque em contato direto com os índios. O ator Caio Blat (intérprete de Leonardo Villas Boas) falou das preocupações atuais que percebeu nas comunidades do parque: "O índio pede da sociedade muito pouco: quer água e terra para continuar a preservar sua cultura. O Parque do Xingú é uma mancha verde cercada de fazendas por todos os lados. A toda hora, os fazendeiros querem invadir essa mancha", relatou.
"A água do rio Xingú que entra no parque sai das fazendas e, para irrigar suas plantações, os fazendeiros fazem barreiras nessa água. Do outro lado do parque, querem construir uma hidrelétrica [Belo Monte, no estado do Pará, vizinho do Mato Grosso]. Então os índios do Xingu estão preocupados que o rio [Xingu] vá se transformar num aquário – a água não corre mais", explicou Blat.
Autora: Cris Vieira (Berlim) / Renate Krieger
Edição: Helena Ferro de Gouveia