Lusofonias, proximidade e distância: uma conversa com Agualusa
22 de novembro de 2011Numa entrevista exclusiva com a Deutsche Welle, José Eduardo Agualusa falou sobre o seu romance “Barroco Tropical”, obra que apresenta uma cidade de Luanda labiríntica do futuro.
Deutsche Welle: Num dos capítulos descreve como uma menina é queimada viva por ser acusada de feitiçaria. Uma história fictícia, mas não muito longe da realidade angolana, onde frequentemente são assassinadas crianças. Porque é tão difícil acabar com esta prática em Angola?
José Eduardo Agualusa: Acho que em todos os países do mundo onde o Estado falha a população tende a procurar a segurança de crenças antigas e de superstições e de crenças irracionais.
DW: Cabe ao Estado tentar acabar com esta prática?
JEA: Se as populações se sentirem apoiadas, se houver uma maior segurança social, se houver mais investimento na educação e na cultura, só assim se poderá combater esta prática que continuam a acontecer em Angola. Basta ler os jornais angolanos e o “Jornal de Angola” que é um órgão oficial do regime, para se constatar que as perseguições a crianças são constantes.
Custa-me muito compreender que o Estado angolano gaste milhões de dólares para conseguir que uma angolana obtenha o título de Miss Universo quando continuam a acontecer em Angola situações destas, crianças que são perseguidas e queimadas vivas sob a acusação de feitiçaria. Eu acho que é uma questão de prioridades.
DW: Vive há muito tempo fora de angola, acha que é preciso ter certa distância física para observar e descrever melhor o seu país?
JEA: Acho que por vezes estando mergulhado no quotidiano angolano é difícil ver e perceber certas realidades que se percebem melhor quando temos alguma distância. Mas, também é importante estar em Angola até porque sinto falta de Angola. Vou conseguindo falar com as pessoas, hoje através da internet é muito mais fácil.
Lusofonias cruzadas
DW: Viaja muito entre o Brasil, Portugal e Angola. Acha que existe uma identidade cultural comum?
JEA: Acho que existem pontos de contato, que existem identidades. O fato de milhares de angolanos irem passar o Carnaval ao Rio de Janeiro, de consumirem avidamente música popular brasileira, de fazerem compras em Portugal mostra-o. Também creio que os portugueses se reconhecem muito hoje, por exemplo, na música cabo-verdiana, na música angolana.
Aliás, quando se pensa em Portugal na música, não deixa de ser sintomático que as maiores referências da musica portuguesa contemporânea sejam uma moçambicana mestiça a Marisa, no fado, e um grupo de Kuduro, os Buraka Som Sistema, cujo líder é angolano.
DW: Olhando na direção do Brasil os brasileiros consumem cultura africana, mas não de uma maneira consciente…
JEA: O Brasil é claramente um país de matriz africana e as ofertas culturais mais exportadas e conhecidas são todas elas de matriz africana: desde o carnaval, ao samba, passando pelo candomblé e pela capoeira. O que o Brasil não tem é uma ligação com essa África contemporânea. Tem pouco conhecimento da cultura contemporânea africana. Isso vai mudando.
Eu próprio venho colaborando num festival de música e de cultura no Rio de Janeiro o “Back to Black - Estação África”, que é um festival que decorre numa estação de comboios desativada, a estação Leopoldina. Na primeira edição do festival havia alguma desconfiança, as pessoas achavam que os brasileiros não tinham interesse. Isso foi rapidamente desmontado e o festival foi um tremendo sucesso. Hoje é muito mais fácil realizar esse festival e comprovou-se que existe um grande interesse dos brasileiros na cultura africana contemporânea.
Autor: Johannes Beck
Edição: Helena Ferro de Gouveia/António Rocha